Ribeirão Preto – Califórnia
Brasileira
Desde a última quarta-feira tenho
estado sem carro, que se internou num SPA automotivo para um tratamento. Quando
isso ocorre, vemos claramente o quanto a vida do brasileiro que tem carro,
mesmo que seja um velho, como o meu, é distante da vida do cidadão que depende
de transporte coletivo.
O Brasil é um país construído para o
automóvel, geralmente carregando uma única pessoa, o motorista. Assim, o
transporte coletivo é deixado de lado, coisa de pobre, de gente que está
acostumada a esperar por meia hora, de pé, no Sol ou na chuva, tendo como único
ponto de apoio uma ripa escrita “Transerp” (grande parte dos pontos de ônibus
na Califórnia Brasileira são constituídos de uma única madeira, uma ripa,
fincada no chão). Assim fiquei eu ontem: de pé, no Sol, apoiado na ripa
esperando por meia hora o “meu ônibus” passar. Depois, foram quase cinquenta
minutos sacolejando, de pé, pois não há espaço para todos, até o meu destino
final, onde trabalho.
Imaginem vocês quem tem que fazer
isso todos os dias, como a grande maioria dos trabalhadores faz. Dá para parar
e pensar o quão distorcido é o nosso país e a nossa cidade, onde o asfalto na
região da Fiúsa é perfeito (lá onde tem a Stock-Car, sabe?), liso, as avenidas
são amplas, onde quem mora lá gasta no máximo 10 minutos para se deslocar de
casa para o trabalho e vice-versa, onde o serviço de ônibus atende somente às
domésticas que por lá trabalham (que viajam totalmente espremidas, tamanha a
lotação e, às vezes, sentadas no chão do veículo), enquanto que nos bairros de
trabalhadores o asfalto é péssimo, as ruas são mal iluminadas e esse transporte
coletivo de “qualidade” é a principal forma de exercer o ir e vir (isso para
quem não tem um carro velho, como eu).
A falta do meu carango me fez
escrever o que senti na pele usando por dois dias (dois dias!!) o transporte
coletivo de Ribeirão Preto. Mas quero usar esse tema para falar também de outro
assunto, a saúde pública.
Bem, sem carro (como já sabem!) e com
nenhuma vontade de enfrentar o “busaõ” pelo terceiro dia (terceiro dia!!), que
vergonha, tem gente que usa todo dia, resolvi voltar caminhando do trabalho
hoje (14/06/2012), na hora do almoço. Saí lá do Jardim Paulistano e me dirigi a
pé para a região da Avenida Dom Pedro (uns 5 km), onde fica o SPA do meu
carro e a minha casa. O ato de caminhar pelas ruas me fez perceber outra coisa: andar só de
carro te afasta da realidade. A pé você observa melhor tudo, principalmente as
pessoas. Ao descer pela rua Capitão Salomão, na esquina com a rua Marquês de
Pombal, me deparei com seu João, sentado na calçada, a perna inchada, sentindo
dor. Parei, ofereci ajuda e ele me pediu que chamasse a ambulância. Liguei no
192 cinco vezes e só dava ocupado. Tentava mais uma vez e, ao dar ocupado de
novo, fui interpelado pela dona Arlete, moradora das imediações, que me disse
que já havia ligado para o 192 há 1 hora (após também várias tentativas
infrutíferas) e nada. Nesse momento, dona Vânia, proprietária de um armazém
próximo, trouxe água e comida para o seu João, enquanto prosseguia a espera.
Vendo que o homem estava bem cuidado (bem cuidado?), continuei a caminhada e
ainda tentei mais duas vezes ligar para o 192. Sabem o que aconteceu? Deu
ocupado. Façam a tentativa, liguem para o 192 e vejam vocês mesmos. Mas se
tiverem mesmo precisando de ajuda, contem apenas com as pessoas comuns da rua,
porque o poder público está se lixando para vocês.
Essa história do seu João me lembrou
uma outra, da qual meus amigos Felipi Maia, Rilton Nogueira e Mauro Silva, são
testemunhas. Estávamos em um barzinho tomando umas quando um rapaz ao lado
passou mal e desmaiou. Ficou caído na calçada por quase 1 hora esperando a
ambulância, sendo atendido por dois médicos a paisana que estavam no bar também.
E assim como no caso do seu João, ela (a ambulância) não veio. Finalmente o rapaz foi levado
para o hospital por alguém do local. No caso do seu João, não sei o desfecho.
Outro dia o Ministro da Saúde esteve
na cidade para inaugurar uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento), junto com a
Prefeita, Deputados e Vereadores. Todos espremidos (assim como os passageiros dos ônibus)
para fotos, que serão usadas na campanha desse ano. Pergunto: se a ambulância
não vai até o local onde a pessoa está precisando, como esta chegará até a UPA?
Será que terá que comprar um carango, como o meu? Ou contar com a ajuda de
terceiros, como o rapaz do bar? Não sei. Só sei que minha mãe precisava fazer
um exame de raio-x no joelho e o mesmo foi agendado para outubro (outubro!!!).
Enfim, a Califórnia Brasileira anda
muito bem, obrigado. O vereador Cícero (aquele que disse que Vereador tem que
ganhar bastante para não ficar refém da corrupção, sabem?) nos disse pela TV,
na propaganda eleitoral, que defende a liberdade, igualdade e fraternidade.
Parabéns vereador, Rosseau e Voltaire ficaram felizes. Ribeirão vai pelo caminho certo. Vamos fazer uma campanha
para arrecadar grana e colocarmos em cada esquina um homem segurando um cartaz
(como aquele que o advogado contratou para reclamar da multa que levou) com os
dizeres: Califórnia Brasileira, aqui jazem a saúde, o transporte coletivo e a vergonha na cara. Quem
sabe a EPTV não dá uma reportagem.
PS : Escrevo e publico este texto sem
medo de perder o emprego, pois sou funcionário estadual e, assim, a Prefeita
não pode pedir minha cabeça. Será? Acho que ela pode me processar, como anda
fazendo, mas aí vou me ferrar também porque, sem grana, vou ter que contar com
a defensoria pública, vixe!
Na república de Ribeirão, quem tem grana paga a banda e escolhe a música. Ponto final.
Na república de Ribeirão, quem tem grana paga a banda e escolhe a música. Ponto final.
Um comentário:
Como essa podridão poderia ser amenizada se políticos e corrupção não andassem tão juntos.
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