quinta-feira, 14 de junho de 2012

Ribeirão Preto, a Califórnia Brasileira


Ribeirão Preto – Califórnia Brasileira

Desde a última quarta-feira tenho estado sem carro, que se internou num SPA automotivo para um tratamento. Quando isso ocorre, vemos claramente o quanto a vida do brasileiro que tem carro, mesmo que seja um velho, como o meu, é distante da vida do cidadão que depende de transporte coletivo.

O Brasil é um país construído para o automóvel, geralmente carregando uma única pessoa, o motorista. Assim, o transporte coletivo é deixado de lado, coisa de pobre, de gente que está acostumada a esperar por meia hora, de pé, no Sol ou na chuva, tendo como único ponto de apoio uma ripa escrita “Transerp” (grande parte dos pontos de ônibus na Califórnia Brasileira são constituídos de uma única madeira, uma ripa, fincada no chão). Assim fiquei eu ontem: de pé, no Sol, apoiado na ripa esperando por meia hora o “meu ônibus” passar. Depois, foram quase cinquenta minutos sacolejando, de pé, pois não há espaço para todos, até o meu destino final, onde trabalho.

Imaginem vocês quem tem que fazer isso todos os dias, como a grande maioria dos trabalhadores faz. Dá para parar e pensar o quão distorcido é o nosso país e a nossa cidade, onde o asfalto na região da Fiúsa é perfeito (lá onde tem a Stock-Car, sabe?), liso, as avenidas são amplas, onde quem mora lá gasta no máximo 10 minutos para se deslocar de casa para o trabalho e vice-versa, onde o serviço de ônibus atende somente às domésticas que por lá trabalham (que viajam totalmente espremidas, tamanha a lotação e, às vezes, sentadas no chão do veículo), enquanto que nos bairros de trabalhadores o asfalto é péssimo, as ruas são mal iluminadas e esse transporte coletivo de “qualidade” é a principal forma de exercer o ir e vir (isso para quem não tem um carro velho, como eu).

A falta do meu carango me fez escrever o que senti na pele usando por dois dias (dois dias!!) o transporte coletivo de Ribeirão Preto. Mas quero usar esse tema para falar também de outro assunto, a saúde pública.

Bem, sem carro (como já sabem!) e com nenhuma vontade de enfrentar o “busaõ” pelo terceiro dia (terceiro dia!!), que vergonha, tem gente que usa todo dia, resolvi voltar caminhando do trabalho hoje (14/06/2012), na hora do almoço. Saí lá do Jardim Paulistano e me dirigi a pé para a região da Avenida Dom Pedro (uns 5 km), onde fica o SPA do meu carro e a minha casa. O ato de caminhar pelas ruas me fez perceber outra coisa: andar só de carro te afasta da realidade. A pé você observa melhor tudo, principalmente as pessoas. Ao descer pela rua Capitão Salomão, na esquina com a rua Marquês de Pombal, me deparei com seu João, sentado na calçada, a perna inchada, sentindo dor. Parei, ofereci ajuda e ele me pediu que chamasse a ambulância. Liguei no 192 cinco vezes e só dava ocupado. Tentava mais uma vez e, ao dar ocupado de novo, fui interpelado pela dona Arlete, moradora das imediações, que me disse que já havia ligado para o 192 há 1 hora (após também várias tentativas infrutíferas) e nada. Nesse momento, dona Vânia, proprietária de um armazém próximo, trouxe água e comida para o seu João, enquanto prosseguia a espera. Vendo que o homem estava bem cuidado (bem cuidado?), continuei a caminhada e ainda tentei mais duas vezes ligar para o 192. Sabem o que aconteceu? Deu ocupado. Façam a tentativa, liguem para o 192 e vejam vocês mesmos. Mas se tiverem mesmo precisando de ajuda, contem apenas com as pessoas comuns da rua, porque o poder público está se lixando para vocês.

Essa história do seu João me lembrou uma outra, da qual meus amigos Felipi Maia, Rilton Nogueira e Mauro Silva, são testemunhas. Estávamos em um barzinho tomando umas quando um rapaz ao lado passou mal e desmaiou. Ficou caído na calçada por quase 1 hora esperando a ambulância, sendo atendido por dois médicos a paisana que estavam no bar também. E assim como no caso do seu João, ela (a ambulância) não veio. Finalmente o rapaz foi levado para o hospital por alguém do local. No caso do seu João, não sei o desfecho.

Outro dia o Ministro da Saúde esteve na cidade para inaugurar uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento), junto com a Prefeita, Deputados e Vereadores. Todos espremidos (assim como os passageiros dos ônibus) para fotos, que serão usadas na campanha desse ano. Pergunto: se a ambulância não vai até o local onde a pessoa está precisando, como esta chegará até a UPA? Será que terá que comprar um carango, como o meu? Ou contar com a ajuda de terceiros, como o rapaz do bar? Não sei. Só sei que minha mãe precisava fazer um exame de raio-x no joelho e o mesmo foi agendado para outubro (outubro!!!).

Enfim, a Califórnia Brasileira anda muito bem, obrigado. O vereador Cícero (aquele que disse que Vereador tem que ganhar bastante para não ficar refém da corrupção, sabem?) nos disse pela TV, na propaganda eleitoral, que defende a liberdade, igualdade e fraternidade. Parabéns vereador, Rosseau e Voltaire ficaram felizes. Ribeirão vai pelo caminho certo. Vamos fazer uma campanha para arrecadar grana e colocarmos em cada esquina um homem segurando um cartaz (como aquele que o advogado contratou para reclamar da multa que levou) com os dizeres: Califórnia Brasileira, aqui jazem a saúde, o transporte coletivo e a vergonha na cara. Quem sabe a EPTV não dá uma reportagem.

PS : Escrevo e publico este texto sem medo de perder o emprego, pois sou funcionário estadual e, assim, a Prefeita não pode pedir minha cabeça. Será? Acho que ela pode me processar, como anda fazendo, mas aí vou me ferrar também porque, sem grana, vou ter que contar com a defensoria pública, vixe!

Na república de Ribeirão, quem tem grana paga a banda e escolhe a música. Ponto final.




Um comentário:

Anônimo disse...

Como essa podridão poderia ser amenizada se políticos e corrupção não andassem tão juntos.