Feira do Livro e a Cultura de
Ribeirão Preto
Todos os anos, dezenas de Feiras do
Livro são organizadas no país. É possível encontrar eventos de todos os tipos de
norte a sul, nas mais diversas cidades. A Fundação Biblioteca Nacional estima
que aproximadamente 10 milhões de pessoas visitem as feiras, a cada ano. Ainda assim, os brasileiros mantêm baixos
índices de leitura, se comparados a outros países.
A feira do livro de
Ribeirão Preto, surgida em 2001, com o trabalho de Galeno Amorin, tem uma
característica especial: é realizada numa praça, a céu aberto, com shows cada
vez mais populares e na região central e bela da cidade. Difere muito da
característica de outras feiras, como às de Poços de Caldas, Porto Alegre e
Brasília, para ficar nas mais conceituadas. E também não tem comparação com a
FLIP-Paraty, a mais prestigiada do Brasil, pois esta é única e, apesar de ser
também um evento a céu aberto, tem como principal chamariz a belíssima cidade
histórica e sua estrutura voltada para a intelectualidade. A FLIP não é um
evento de massas e se realiza numa cidade acostumada com um ambiente cultural,
bem diferente de Ribeirão Preto.
A nossa Feira cresceu, se transformou num
evento popular e entrou definitivamente, e como um ótimo exemplo de política
cultural, para o paupérrimo e elitista calendário cultural de Ribeirão Preto. Infelizmente,
a política de implantação de bibliotecas públicas nos bairros, surgida juntamente
com a feira, morreu.
O caráter da Feira
atrai a população e isso, às vezes, faz com que alguns torçam o nariz para este
evento. Não julgo aqueles que assim procedem, mas é preciso analisar com
cuidado esse importante acontecimento da cidade e o porquê, em minha opinião,
de suas particularidades.
Ribeirão é carente de
vida cultural de massa, sua elite pequeno-burguesa é fechada, chata, arrogante
e metida a besta. A Secretaria da Cultura é, há décadas, comandada por essa
mesma gente. Assim como ocorre no poder Executivo, na Câmara de Vereadores,
enfim, Ribeirão é uma aldeia dirigida por um seleto grupo de notáveis e novos
ricos e nada, repito, nada acontece sem o crivo desses mesmos, que só pensam em
manter seus postos de poder e o status
quo. Só se fura esse bloqueio com grana, como todos sabem. Dentro do seu
grupo eles se divertem, vão às corridas de carro, aos jogos de golfe, hipismo, frequentam
teatros caríssimos, restaurantes da zona sul etc. Para eles não falta vida
cultural. A vida cultural deles, é claro. E também não falta para eles o apoio
público.
O povo da cidade exige
ter opções culturais, mas é ignorado. Quando o governo, juntamente com a
sociedade civil, é incapaz de satisfazer esta exigência, os vazios culturais
são ocupados de qualquer maneira. Às vezes surgem boas ideias, e Ribeirão tem
vários exemplos disso (movimentos culturais autônomos e de qualidade), mas
geralmente essa ocupação de espaço é tumultuosa e caótica.
Frequento a Feira desde seu início e percebo que com
o passar do tempo ela está mais caótica, essa é a palavra. É difícil andar
pelos seus estandes e poder ver os livros ali expostos. Além disso, há também
os shows noturnos cada vez com maior apelo popular. Essa “confusão” e esse
ambiente pouco comum incomoda, principalmente certos intelectuais e habitués “zona sul”.
Não há como não concordar com Ariano
Suassuna quando este critica a massificação de uma cultura de baixa qualidade
sustentada pela mídia comercial. Defender um maior acesso ao conhecimento sobre
as expressões culturais nacionais, que muitas vezes são ignoradas pelo nosso
eurocentrismo subconsciente, é fundamental. Mas, é preciso muito cuidado quando
vamos criticar a tal “cultura de massa”, para não corrermos o risco de
classificar tudo que é popular como lixo. Nem sempre a nossa régua de medida
estética serve para os outros, e ela própria pode ter sido moldada de acordo
com uma visão eurocêntrica da qual nem nos damos conta. Sempre cabe,
dialeticamente, a reflexão. Quando falta acesso à cultura por inexistência de
políticas culturais, as massas ocupam o espaço a seu modo, consomem o que está
disponível, e não podem ser criticadas por isto. Acho que este exemplo cabe
muito bem à Feira do Livro e ao ambiente cultural ribeiraopretano.
Não podemos
desfazer de um evento dessa natureza só porque, ao caminharmos pela feira ou ao
assistirmos a um show, não gostamos
eventualmente do caos humano encontrado e nem do comportamento de alguns que não sabem se portar
num lugar assim. O que se tem que fazer é analisar o que pode estar errado e
corrigir, principalmente a questão dos adolescentes, que deixam de ir à aula e
ficam, nos dias de feira, passando o tempo naquele lugar. Essa situação,
desagradável muitas vezes para quem deseja ir à feira ver livros e palestras,
precisa ser olhada como um potencial positivo e planejamento. É muito bom que
jovens frequentem a feira do livro, mas da maneira correta. Talvez um melhor
entendimento entre os organizadores e as escolas possa contribuir para melhorar
esta questão. Mas o evento é bom, as palestras são interessantes, os shows em
frente ao teatro são lindos. O que Ribeirão precisa é de mais eventos
culturais, ou melhor, precisa de uma revolução cultural que traga o povo junto,
que agregue, que transforme. Enquanto for oferecida miséria cultural ao povo,
enquanto os governantes de ocasião acharem que cultura popular é casamento
comunitário (enquanto bebe-se espumante nas “altas” rodas financiadoras de
campanhas), os vândalos vão continuar atrapalhando a leitura dos intelectuais.
Ponto final.
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