Uma antiga história francesa fala sobre um soldado chamado Bertrand. Bertrand foi para as batalhas muito jovem porque seu país precisava de sua força. Deixou para trás os amigos de infância, deixou para trás as esperanças. Mas Bertrand encarou com vontade a realidade das guerras, e mesmo em um ambiente hostil conseguiu se sobressair muito bem.
Era correto, era bom no que fazia e todos tinham grande confiança em Bertrand. Todos sabiam que podiam contar com sua ajuda e com sua honestidade. Jamais enganou ninguém, mas percebia frequentemente o quanto era usado por muitos que não tinham escrúpulos. Fingia que não percebia porque, até aquele momento, acreditava que a causa maior da guerra compensava esses pequenos contratempos. Até que se cansou.
Bertrand se cansou de lutar. Percebeu que o esforço que fazia e as vitórias que conquistava não levavam à nada de prático, pois os generais, que usavam de sua força e de sua capacidade, no fim das contas, ficavam com a fama e dividiam as glórias com os inimigos de antes. Bertrand era sabedor de todos os podres por trás da política, mas acreditava na causa e sonhava alto. Até que um dia sofreu uma derrota. Não perdeu a batalha, pelo contrário, montou um bom exército, treinou todas as táticas, foi o responsável por todos os planos da batalha, mas, no final, soube que fora traído por seu próprio general. Receoso da liderança de Bertrand, o general tramara junto com os inimigos a sua derrota. Bertrand sentiu o gosto amargo da traição e, pesaroso, deixou aquele exército e voltou para sua cidade.
Na cidade, embora o seu caráter correto, a sua postura honesta e o seu jeito gentil facilitassem que muitos o rodeassem, Bertrand se sentia esquisito. Não entendia muito bem como a cidade funcionava. Via as pessoas correndo de um lado para o outro, via as pessoas indo para o trabalho rezando para que chegasse logo o fim de semana ou um feriado para poderem encher a cara de cerveja, assistir televisão, brigarem nas reuniões de família, denegrirem a imagem uns dos outros e se angustiarem com a chegada da segunda feira. A grande maioria das pessoas chamava isso de diversão. Bertrand também se divertia, era capaz de reunir um monte de gente, se ele quisesse, e todos passavam horas ouvindo suas histórias ou recebendo seus conselhos. Bertrand era um sujeito agradável que, querendo, fazia do ambiente onde estava algo prazeroso e saudável. Mas o velho soldado desgastado nas batalhas não lidava direito com essa tal de diversão, não compreendia como uma vida vazia e frustrante pudesse ser compensada em um fim de semana, ou em um feriado, ou mesmo na reunião de várias pessoas vazias bebendo para se anestesiarem. Para Bertrand, a alegria deveria estar presente sempre e a busca por uma vida mais produtiva e feliz deveria superar as frustrações cotidianas. Para ele, a maioria da pessoas via a diversão como uma fuga deprimente de suas próprias frustrações. Mas ele também conhecia pessoas que buscavam diversão como uma legítima vontade de ser feliz, de brincar com a seriedade da vida. Bertrand gostava disso, gostava de pessoas que não se levavam muito a sério, que brincavam mais e bebiam menos. Essas pessoas eram raras, muito mais saudáveis e Bertrand as adorava.
Bertrand sempre era, depois de algum tempo de convivência, a figura principal do meio no qual convivia. Ajudava a todos, compreendia, mesmo não gostando, aqueles que levavam suas vidas com rancor, com mentiras ou com falsidades, mas preferia os verdadeiros, principalmente os verdadeiros divertidos, que sentem tristezas como todo mundo mas não olham a vida com rancor. Ajudava a quem pedia, ajudava a quem precisava e, principalmente, fazia de tudo para dar bem estar àqueles que amava. Bertrand era uma figura, tinha uma pose marcial de soldado sem farda. Muitos que o conheciam só se sentiam seguros perto dele. Era como se a presença de Bertrand afastasse os perigos. E ele, sabedor, fazia com que se sentissem seguros de verdade. Quantas vezes as pessoas que estavam se sentindo sozinhas chamavam Bertrand para uma mesa de bar, para um bate papo. E ele, sabedor, reunia todos que estavam com os mesmos problemas e passava horas dando alegria a eles.
Mas o velho soldado tinha uma angústia. Invariavelmente Bertrand se sentia sozinho. Era um amante razoável e tinha muitos amores, mas também não lidava muito bem com o casamento e, assim, se mantinha afastado da tradicionalíssima instituição familiar. Isso causava certas dificuldades ao soldado. Bater de frente com a tradição social e com seus rituais afastava Bertrand de muitas de suas amizades mais prazerosas e também de muitos de seus amores. É muito difícil enfrentar a hipocrisia. Muitas vezes é preciso esconder a verdade para conviver bem com a mentira. Os dias mais solitários eram aqueles dias cerimoniais, ou seja, aqueles dias onde a família se reunia. O pior de todos era o fim de ano. Ou o soldado passava a data absolutamente sozinho, ouvindo as comemorações, e foram muitas vezes, ou passava com um de seus amores, ouvindo cobranças para constituir a sua sagrada família. Bertrand se sentia cada vez mais sozinho em meio à tudo isso. Ele se via como um pilar de sustentação para muitos e ao mesmo tempo afastado de todos eles. Se sentia como no exército: importante, mas descartável.
Um dia o soldado partiu para longe. Muitos sentiram sua falta mas não se preocuparam em procurá-lo, seguiram suas vidas. Só se lembravam dele quando se sentiam aflitos. Anos mais tarde, já em outro lugar e novamente muito requisitado por todos, foi perguntado:
- Ei, Bertrand, você é a única pessoa que consegue reunir todo mundo e passar horas divertindo a todos, e você é querido por todos, todos se sentem seguros perto de você. Mas vejo certa tristeza. Você é feliz, soldado?
Bertrand suspirou, pensou em tudo que já passara na vida.
- A felicidade é uma explosão, um momento. Tenho momentos de felicidade. Mas na maior parte do tempo eu estou determinado em viver, em lutar, em buscar um sentido para ser feliz. Mas às vezes me dá uma certa tristeza em perceber que se de uma hora para a outra eu desaparer, as pessoas vão até estranhar a falta de algo, vão, vez ou outra, até comentarem de mim, mas não irão saber como estou, seguirão com suas vidas, porque de fato eu não faço parte da vida delas. É curioso saber que você na verdade não faz falta para ninguém.
3 comentários:
Acabou, acabou e pronto..? Será ?
Ultimamente só tem saído coisa triste... O próximo texto será alegre, só não sei quando...
Desculpa mas se o texto é triste ou alegre não me importo. O que importa é que você escreva. Amo quando você escreve pra essa mulher especial, são as melhores. como eu queira ser ela...leio imaginando se um dia alguém escreva assim pra mim. continue!!
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