Certa vez um
homem muito ocupado vivia a correr para todo lado ajeitando todas as coisas.
Ele não parava nunca, de tudo ele cuidava e com todos ele se preocupava. Como
ninguém é capaz de cuidar de tudo ao mesmo tempo ou de evitar que as coisas
aconteçam, o homem vivia angustiado e com medo. Vivia com medo de que alguma
coisa desse errado ou que algo acontecesse a alguém de quem ele gostasse. Ele
era bom de coração, mas a pressa e o medo o impediam de enxergar quanta coisa
boa ele fazia. Com medo e frustrado, o homem sempre lamentava o cansaço e o
fato de não dar conta de cuidar de tudo. E, por não dar conta de evitar as
coisas, tinha receio de se aprofundar nos amores e sentia uma certa culpa pelos
acontecimentos naturais da vida. Detestava surpresas, porque as surpresas o
faziam ver o quanto sua correria era insuficiente e o quanto era impotente diante
do tumulto da vida. Simplesmente não damos conta de cuidar de tudo e temos medo
disso.
Certo dia lá
estava o homem correndo. Havia acordado cedo, fez o café da manhã, levou as
crianças para a escola, levou a mulher ao médico, cuidou dos animais, limpou a
casa, ajudou o irmão com dificuldades, ouviu as lamentações do vizinho, teve
que ir correndo até a casa dos pais consertar uma torneira quebrada e, de
surpresa, recebeu uma ligação da irmã o informando que fariam uma festa
surpresa para seu sobrinho. Nossa, como detestava surpresas. Como algumas
surpresas são angustiantes. Em meio a tudo isso, ainda cumprimentou a velhinha
da esquina, deu bom dia ao padeiro, afagou o cachorro de rua, brincou com as
crianças da comadre, sorriu para uma mulher com cara de triste, ufa! Ele ficava
com medo, por mais que fizesse, por mais que tentasse, tudo ainda permanecia
caótico e angustiantemente surpreendente.
Um mago que muito
sabiamente via tudo isso, resolveu intervir. Um dia o homem estava correndo
muito para todo lado, as coisas insistiam em dar errado. Extremamente apressado
para chegar à casa dos pais para resolver mais um problema e se sentindo a pior
das pessoas por não ter conseguido resolver todas as coisas, viu uma pequena
tartaruga virada de barriga para cima (tartaruga tem barriga?), esperneando no
meio fio. O homem tentou manter sua direção, mas, comovido pelo sofrimento do
pobre animal, parou e voltou. Desvirou o bichinho, pegou-o nas mãos e o levou
até um riacho próximo dali. Ao colocar a tartaruguinha perto da água ouviu um
sonoro: Obrigado!
Êpa! Estou
ficando louco? Tartaruga não fala. Aí o bichinho se transformou no mago e disse:
Falar? E quem te disse que agradecimentos se dão somente por palavras? Eu falei
com a voz do coração. Em meio à sua correria, você parou e me viu. Você sempre
vê as coisas mesmo correndo, mesmo apressado. Você sempre distribui ternura,
apoio e cuidado mesmo na pressa. Você estava tentando resolver tudo não é
mesmo? Pois veja, enquanto você me ajudava, houve uma batida de carro na
esquina, uma velhinha torceu o pé na calçada, seus pais sabedores de todos os
seus compromissos e entendendo a sua situação resolveram por si próprios os
problemas que tinham em casa e uma infinidade de outras coisas aconteceram.
Tudo isso enquanto você reparava em uma pobre tartaruga virada de barriga para
cima e a ajudava. Ninguém consegue resolver tudo, ninguém pode evitar que as
coisas aconteçam. Agora, veja bem, são poucas as pessoas no mundo que todos os
dias saem de casa carregando grãozinhos de açúcar nos bolsos do coração. Poucas
são as pessoas que distribuem os grãozinhos de açúcar nas bocas de todos
aqueles que cruzam seu caminho. Seja num sorriso, seja numa lembrança, seja num
ombro amigo ou mesmo na certeza daqueles que sabem que podem contar com você. Tem
grãozinho de açúcar para todo mundo, mas você não pode adoçar todas as bocas ao
mesmo tempo e a culpa não é sua. Adoce a boca que está próxima de você, pois
aqueles que estão longe terão ou já tiveram os seus grãozinhos e sabem disso,
amam isso, agradecem por isso. Lembre-se de quantos grãozinhos de açúcar você
já colocou nas bocas dos seus e lembre-se de quantos eles já colocaram na sua
boca. O resto é a vida.
Eu era uma
simples tartaruga e você me carregou, me levou para passear e me colocou em um
lugar seguro de novo. Que açúcar delicioso. As coisas vão acontecer independente
da nossa vontade, algumas surpresas podem voltar a causar angústia, mas os
grãozinhos de açúcar trocados aliviam todas as dores. E o emaranhado da vida,
nos seus mistérios e curvas, há de nos mostrar o caminho para mais açúcar.
Um afago
carinhoso do fundo do meu coração adocicado, e muito, por seus grãozinhos de
açúcar, grãozinhos estes que adoçaram e adoçarão muitas bocas, e todas te agradecem. Um beijo.
2 comentários:
Lindo... Como vc consegue.. Obrigada por vc ter esse pote de grãozinhos de açúcar , tirou o azedume.
Conte sempre com meus grãozinhos e eu conto com os seus. Eu vou estar sempre aqui...
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