terça-feira, 3 de julho de 2012
Olhando Para a Lua
Há muito tempo atrás me contaram uma história sobre a Lua.
Dizia que um matuto, obrigado a ficar distante do seu lugar de morada,
Obrigado a ficar distante dos seus amores, e principalmente da sua cabocla,
Olhava para a Lua toda noite, numa determinada hora.
As noites mais felizes eram as de Lua cheia.
O matuto olhava para a Lua e conseguia se lembrar de todos os detalhes daquilo que amava,
E daquilo que sentia saudade: os sons do lugar, os cheiros, as conversas, as pessoas queridas,
As coisas penduradas na parede, das pequenas minúcias de quem ele amava,
Os vestidos de chita, os lenços no cabelo, o perfume da pele, o sorriso faceiro.
Quando a gente gosta, quando nos dá prazer, enxergamos o outro nos seus detalhes.
Quando a gente ama, cuidamos do outro, distribuímos carinho, à nossa maneira.
E como cuidava aquele matuto, na limitação de sua sabedoria de matuto.
No instinto do seu coração, era um leão, protegendo tudo que ele amava.
Mas o que o matuto não sabia é que a trama da vida também brinca conosco.
Quase sempre, no mesmo instante em que ele olhava a Lua, a cabocla também olhava.
A cabocla sentia saudade do matuto olhando para a Lua da janela do seu quarto.
Olhar para a Lua ao mesmo tempo, não importa a distância, é como olhar nos olhos do outro.
A luz da vida, produzida nas entranhas da nossa estrela amarela, gasta apenas dois segundos
Para ligar os olhos e os corações daqueles que olham para a Lua ao mesmo tempo.
Há milênios o homem olha para a Lua. E não é só o homem.
Nos dias intensos de luar a natureza namora e é feriado para os pirilampos.
Nos dias de luar todos se enxergam, todos namoram. Até a Lua, que namora a Terra.
A Terra olha para a Lua e sente saudade daquela parte que já foi sua.
E a Lua olha para a Terra, sempre com a mesma face, brilhando, sorrindo, namorando.
Iluminada, aquecida e embelezada pelos raios do Sol.
Outro dia um homem estava olhando para a Lua.
Que encantadora é a Lua. Eram duas: uma no céu e outra refletida no lago.
Ela estava grande, brilhante. Iluminava tudo à sua volta, projetando sua sombra.
Incrível como nos momentos de silêncio, silêncio interno, porque os grilos gritavam,
Somos capazes de acessar nossos amores e nossas saudades mais íntimas.
Saudades antigas e saudades recentes, pois o tempo não importa.
Olhamos de verdade lá para dentro, deixamos sair tudo aquilo que brota lá do fundo.
E o que brotou de dentro dele foi uma descoberta. Descobriu que sentia saudade de si mesmo.
Já desconfiava disso desde que alguém com mãos de fada acariciou um menino que dormia.
Lembrou-se de um jovem feliz, lembrou-se de sonhos.
Mas, principalmente, lembrou-se de um tempo em que vivia só o presente,
Sorvendo com tanto gosto a vida que nem se lembrava de nada. Ria de tudo. E que sorriso.
O tempo mudou tudo. As feridas do coração diminuíram a sensibilidade do menino.
Quando um homem assumiu o lugar, o menino dormiu.
Mas ele não se lembrou de nada ruim: não se lembrou das grandes desilusões,
Não se lembrou das humilhações e vagamente se lembrou que ali, no lugar onde estava,
Há dezoito anos atrás, um menino perdido de dor passava as horas do dia a pensar
E, decidido, abandonou um sonho e foi trabalhar, ser frentista, ser garçom.
E assim o homem assumiu e o menino dormiu.
Mas ele não se lembrou de nada ruim. Só se lembrou do menino. Só se lembrou da alegria.
Lembrou-se dos amores singelos, dos amores simples.
Das muitas mulheres que vieram, só recordava naquele momento das mais puras,
Daquelas de um amor quase infantil. Sentiu tristeza, sentiu gratidão e sentiu alegria.
Mas sentiu também saudade. Muita saudade.
Até um tempo atrás, amor para esse homem era sexo. Escondia-se da dor por detrás disso.
Mas parado naquele lugar, olhando a Lua, só conseguia se lembrar dos amores mais puros.
Seria ridicularizado por certa pessoa se ela pudesse saber que naquele momento,
Naquele exato momento, ele pensava: eu estava errado. O amor é mais importante.
O sexo está inserido no amor, é um complemento saudável. Eu é que estive doente.
Pensou, distraído, no matuto olhando para a Lua. Pensou no namoro da Terra e da Lua:
Quem sabe nas dobras do espaço-tempo, enquanto olho para a Lua, o amor me olha também.
Viu três Luas: daquela suspensa no céu refletia um olhar do outro lado do oceano, um olhar que viu Um menino dormir. Um olhar que o menino dormindo não pode dar valor.
A outra, mergulhada no lago, refletiu um olhar apaixonado,
De quem amou o homem, sem saber da existência do menino. E amou de verdade.
A terceira Lua ele viu quando ela apareceu no cantinho da lágrima que enchia os seus olhos.
O olhar que ela refletiu, vindo de dentro da lágrima, e que provoca lágrimas, ele conhece bem.
O olhar de dentro da lágrima viu um menino dormindo e soprou seu rosto. Que presente.
Com um sorriso de lado, um sorriso roubado, suspirou.
Pela manhã, acordou, espreguiçou-se gostosamente e ouviu de um raio de Sol:
- Bem vindo, menino. Quanto tempo!
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2 comentários:
O mágico agindo, até tirei foto da lua.
Amei o homem, não, eu amo! E que bom que alguém com mãos de fada acordou o menino, agora eu vou amar mais ainda, rs. Eu acredito que pessoas boas atraem pessoas boas, e isso é muito bonito...
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