quinta-feira, 19 de julho de 2012

Fui Pro Vale e Voltei


Era uma quinta-feira à noite e eu tinha tido um dia cheio em plenas férias. Aí, como vem acontecendo muito nos últimos tempos, surgiu uma vontade grande de fugir em busca de paz, de dar pelo menos um tempo de todo o peso carregado há anos. Mas fugir para onde? Eu não sabia.  Mas tinha que sair de qualquer forma para algum lugar. Com os problemas mais ou menos equacionados, resolvi fingir que fugia, resolvi fingir que tomava a decisão que várias vezes já pensei em tomar: de ir embora sem olhar para trás, começar tudo do zero num lugar que ninguém me conheça. Como a rotina e a compaixão jamais me deixaram fazer isso de verdade, decidi, então, viajar no dia seguinte, viajar para onde meu bolso permitisse e, assim, fingir que ia embora. Embarquei pela manhã na rodoviária de Ribeirão Preto rumo à Diamantina, porta de entrada para o norte de Minas. Meu objetivo era chegar até o vale do médio rio São Francisco, nas cidades de Januária e de São Francisco, duas representantes do vale do Jequitinhonha. Mas, porque ir para lá?

Meu interesse em conhecer a região vem de uma antiga curiosidade em confirmar a visão geral que temos de que o vale do Jequitinhonha é uma região miserável e porque é um lugar mais ou menos como o que gostaria de me enfiar para passar uma borracha no passado, no presente e viver mais ou menos isolado da espécie humana (digo mais ou menos porque é absolutamente impossível viver longe das mulheres), aprendendo um pouco mais sobre a vida real, pois o mundo só é perfeito em retratos ou nas paisagens (o sistema nos convence o tempo todo que tudo é bonito, divertido e agradável. Mas não é sempre assim, apesar de que divertir-se e contemplar paisagens é muito bom, mas ser mais um dentro do sistema não me satisfaz, eu sou muito burro mesmo). Mas, como não tinha nem tempo e nem dinheiro para percorrer o vale todo, inclusive indo pelo sertão em direção à Bahia (como é o meu verdadeiro projeto), resolvi conhecer somente a porta de entrada do vale: as cidades de Januária e de São Francisco, ambas às margens do velho rio. Mas, dentro de mim, de verdade, o que crescia era a vontade de ir sempre em frente, e não voltar. Entrei no ônibus com essa sensação e, nem sei o porquê, me lembrando da canção “A Saudade Mata a Gente” do Braguinha.






A sensação de estar saindo, indo para longe, era aliviadora e confesso que não me cansei muito nas dez horas de viagem entre Ribeirão Preto e Diamantina (ao contrário da volta. Pois é, como podem perceber, teve a volta). Cheguei já escurecendo e de posse do nome de um hotel razoável previamente pesquisado na internet, subi do Largo São João até o centro histórico, onde fica o hotel. A bem da verdade, para quem tiver grana e tempo, uma viagem para Diamantina já é um passeio e tanto. A cidade é bonita, tem vida noturna, tem um centro histórico belíssimo ( recomendo a Praça da Matriz, a casa de Chica da Silva e a casa Juscelino Kubitschek ) e, perto dali, pode-se encontrar cachoeiras, grutas, cânions vistosos e o circuito do diamante (as cidades históricas de Serro e São Gonçalo do Rio das Pedras). Mas eu não tive tempo e nem dinheiro para ver nada disso. Só apreciei o casario histórico tradicional do lugar. Diamantina ficará para uma próxima.






No sábado de manhã eu já estava no ônibus com destino a Montes Claros (260 quilômetros e 4 horas de viagem). Nas dez horas de viagem de Ribeirão a Diamantina e nas quatro entre Diamantina e Montes Claros, deu para passar um bom tempo comigo mesmo, mas não tive como me entregar a pensamentos existencialistas, porque nessas horas em que se está indo para o desconhecido da aventura, só se pensa nisso, na aventura. Os olhos e a mente estão voltados para o ato presente da viagem. E é muito prazeroso ter a sensação de que você está sozinho e desafiando o desconhecido. A sensação de estar sozinho é uma velha companheira, mas dessa vez era prazerosa.

Não gostei de Montes Claros, quer dizer, não vi e não gostei. Tirando a bela paisagem de cerrado, que a maior parte do tempo dominou o caminho, a já conhecida paisagem canavieira começou a predominar na chegada. Além disso, Montes Claros é uma cidade grande (380 mil habitantes), de aspecto feio para quem chega e, assim como Ribeirão Preto, é uma cidade de prestação de serviços e, como tal, recebe toda a população do norte de Minas, seja para compras, seja para atendimento médico ou educacional. Nem saí da rodoviária. Informando-me no guichê da companhia, fiquei sabendo que havia como encontrar facilmente um hotel adequado em Januária e, assim, comprei a passagem e vazei de Montes Claros.

Foram 100 quilômetros e duas horas de viagem para, assim que atravessamos a ponte sobre o velho Chico, ter uma grata surpresa: Januária é uma bonita e charmosa cidade. A antiga vilazinha criada na procura de esmeraldas dos tempos de Fernão Dias, o antigo centro de criação de gado da divisa do Centro-Oeste, que serviu de cenário e pesquisa para Guimarães Rosa, é hoje uma cidade cada vez mais preparada para o turismo. Já na rodoviária é possível encontrar folhetos sobre hotéis e passeios. Cheguei no final da tarde e em menos de meia hora já estava devidamente hospedado. A dificuldade é a comunicação, pois meu Claro emudeceu assim que deixei Montes Claros e o hotel não tinha internet no quarto, ao contrário de Diamantina. Mas para quem está indo embora, a comunicação com o que ficou para trás é absolutamente desnecessária. Dei uma volta pela cidade e vi barzinhos com bastante gente, todos voltados para o velho Chico. Sentei em um deles e comi uma gostosa mandioca frita com cerveja.

No domingo de manhã confirmei minha primeira impressão. Januária é muito bacana, voltada para o velho Chico, são pelo menos três praias urbanas cheias de gente (mas o mulheril não agrada muito), e com um casario muito bonito, com aspecto colonial. As pessoas são educadas, simpáticas e com todas que conversei tive o prazer de saber que elas conheciam muita coisa sobre Guimarães Rosa. Claro que não tive tempo e nem dinheiro, de novo, para desfrutar de tudo o que a região oferece, mas para quem for com tudo isso que me faltou poderá conhecer cavernas e grutas ( Cavernas do Peruaçu-APA, Gruta dos Caboclos), fazer rafting, rapel, escaladas em pedra calcárea e cavalgadas à lá Grande Sertão Veredas (inclusive encontrando com vaqueiros, lembrando o Manuelão).







Depois do almoço fui visitar São Francisco, a 15 km de Januária. São Francisco é bem menor, mais pobre e a estrutura de turismo engatinha. Mas, assim como Januária, é um local charmoso e bem mais limpo que as cidadezinhas da região de Ribeirão Preto. Tem umas casinhas muito bonitas e uma igreja matriz que faz lembrar os livros de Jorge Amado ou as novelas da Globo. É voltada também para o velho chico, tem barquinhos típicos e uma balsa para a travessia do rio.




Foi tudo muito corrido, porque eu sabia que deveria voltar rápido para casa, pois as coisas equacionadas estavam lá me esperando, e, sinceramente, não teria coragem de abandonar quem precisa de mim. Mas com sinceridade, estar ali tão longe, com a possibilidade mesmo que fantasiosa de construir algo novo do zero, de nunca mais voltar, me fez refletir e ter vontade de seguir em frente, não porque sou infeliz, nada disso, mas porque estou cansado. Estou cansado e sem tempo de lamber as feridas ou olhar para a bússula. Estou cansado de ter que trocar o pneu do carro sempre com ele andando e dando novos defeitos. Eu escrevi que quando montei no ônibus em Ribeirão Preto estava pensando na música do Braguinha, que fala de saudade. Mas saudade do que, se eu não tenho nada? Saudade do que, se olho para o hoje e não vejo nada? Mas só de fingir por uns dias que o pesado saco de pedras e as dolorosas angústias tinham sido deixados de lado já foi bom.
A volta foi demorada e cansativa. Eu também me lembrei de uma canção. Lembrei de uma canção do James Taylor, “Carolina in my mind”, onde o artista diz que pode rodar o mundo todo, mas sempre carrega em sua mente a sua pequena Carolina, o seu vilarejo, no caso de Taylor. Para uns a saudade, a referência, é um lugar; para outros, a saudade é de alguém. Cada um tem a sua. Para pessoas como eu, que adorariam ir embora sem olhar para trás, a saudade é de nada, é efêmera. De todas as coisas que eu poderia sentir saudade, de nenhuma fiz realmente parte. Tudo é sólido como areia. Talvez nenhuma delas dê importância ou tenha marcas de que um dia eu estive ali, ou mesmo estejam prestes a se apagar. Mas a luta está aí para ser lutada, e é de fato a única coisa sólida na minha vida, e eu não desisto. Quem sabe um dia eu não precise fingir que fujo, ou nem precise mesmo fugir. Quem sabe um dia eu não tenha tristeza, desânimo, só em pensar em voltar para um cotidiano sem sentido, um cotidiano angustiantemente inútil. Para aliviar o vazio, dedico o que tenho àqueles que estão com medo, apavorados, mas isso é pouco. Um dia, quem sabe, vou andar de mãos dadas com a minha Carolina. Mas até lá é lutar, sozinho, botar tudo no lugar, sem tirar nada de ninguém e ajudando aqueles que precisam mais do que eu. Quem sabe pelo caminho eu não encontre a tal felicidade e, enfim, a angústia passe. Quem sabe.




Fica a dica: Januária e região são uma ótima opção de férias.




2 comentários:

Ricardo Jimenez disse...

Silêncio, você que me incomoda.
Respeito, você que não me conhece.
Eu tenho sobrevivido há tempos,
A tempestades,
A furacões,
A chuvisqueiros,
A paixões,
A desilusões,
A traições,
A alegrias,
A dores, minhas e alheias,
Derrotas e conquistas.
Derrotas e derrotas.
Fibra é meu sobrenome,
Dor é minha namorada.
E quando tudo passar,
Eu hei de estar aqui, de pé.
E quando olhar para trás,
Há algo para se orgulhar:
O caráter.

Anônimo disse...

Suas marcas não serão apagadas... E se aquilo que você faz por quem tá apavorado for pouco... tem gente q não suportaria nem chegar perto. Beijos...