sexta-feira, 13 de julho de 2012

O Puro Creme do Milho


Outro dia recebi um convite para visitar um lugar muito bacana. Lá, nesse lugar, em dias determinados, é feito um festival específico sobre comidas típicas. O convite que recebi me convidava para visitar o local no “Dia do Milho”.

Aceitei o convite de imediato e tomei o rumo do lugar ansioso para experimentar logo as delícias que certamente me aguardavam. Rapidamente, sem me despedir de ninguém, arrumei minhas coisas e me mandei. O passeio foi tão legal que eu resolvi descrevê-lo assim: um pouquinho de realidade e um pouquinho de fantasia. Fique à vontade para separar uma da outra.

Na chegada fui recepcionado por uma bela menininha, dos seus 12 anos, loirinha e sorridente. Me disse que todo visitante ilustre tinha direito à uma recepção especial e à conhecer todo o local da festa acompanhado por uma guia. Me senti feliz, primeiro por ser chamado de ilustre e, depois, pela excelente companhia que teria.

O lugar é muito bonito, com um grande jardim com tendas espalhadas em cada canto. Dentro das tendas, mulheres fazendo um determinado quitute de milho. Do lado de fora não se tem a impressão do tamanho do lugar. Fomos interpelados por um homem vestido de Visconde de Sabugosa. Explicou-me que Monteiro Lobato fora um habitué da festa do milho. Acho bem a cara do Monteiro Lobato essa áura de fantasia que envolve o lugar. Com um largo sorriso e uma pose de reverência, disse o Visconde:

“Quer brincar no meu quintal?
Então entre de uma vez, é uma honra sem igual,
Convidado maioral. Experimente as comidas de sabor sensacional
E alegre o coração na festa do milharal!”


Entrei meio sem jeito, conduzido por minha pequena dama de companhia, pois não sou muito acostumado a ser recepcionado de forma tão efusiva. Caminhamos por uma alameda ladeada de gerânios brancos e vermelhos (sei o nome das flores porque a pequena menininha me soprava). A primeira tenda que entramos era a dos bolos de milho. Meia dúzia de mulheres se movimentava nos preparativos dos bolos enquanto que uma anciã sentada no fundo da tenda chamou a nossa atenção. Era uma matriarca do local. Sorriu, disse que se sentia contente com a minha vinda e que já me esperavam há algum tempo, e me ofereceu dois tipos de bolo: um mais consistente, como um bolo de fubá tradicional (ótimo para comer com um bom cafezinho) e outro, com uma casca mais crocante por fora e um creme de milho por dentro. Uma delícia. Na saída fui surpreendido com as palavras da gentil senhora:


Não tenha pressa em ser feliz.
Seja aquilo que sempre quis.
Toda flor tem sua borboleta e sua felicidade.
Siga em frente com entusiasmo e a sua capacidade”.


Nem tive tempo de tentar entender o que ela queria dizer com aquilo e já fui sendo conduzido pela bela criaturinha pelos caminhos do jardim, agora enfeitados com begônias amarelas. De repente, fomos cercados por lindas moças carregando cestos de bombocados de milho e broas de fubá. Dançavam à nossa volta freneticamente (eta lugarzinho pra ter mulher bonita!). Meio perdido, nem percebi a chegada de um homem vestido de inca. Fui conduzido para um grande pavilhão, onde uma multidão de” incas” trabalhava no preparo de uma infinidade de quitutes feitos de milho. Tinha milho assado, milho cozido, polentas variadas, frango empanado com milho, farofas de milho e tortilhas, a perder a conta. O pavilhão representava as “civilizações do milho”: os povos da América sustentados pela cultura do milho, cheios de tradições milenares. Os cheiros variados vindos de toda aquela comida eram inebriantes. Antes de sair, bebi uma chita morada (suco de milho com canela, abacaxi e limão), da cultura peruana, o que me fez lembrar um grande amigo. Na saída, uma índia me falou:

“ Não olhe para o tempo, ele é rápido em passar.
Nossa vida é efêmera, não fique muito a sonhar.
Viva sua vida, siga seu caminhar.
Muitas preocupações, tristeza só faz gerar,
Num piscar de nossos olhos, já estamos noutro lugar.

Estamos sempre ocupados, cuidando dos assuntos
E não vemos que felizes só ficamos quando juntos.
Deixe os medos, as angústias, deixe as culpas para lá,
Só invista o seu tempo no ato lindo de amar.”


Saímos caminhando distraídos pelas tulipas cor-de-rosa que agora enfeitavam o caminho quando um inca apressado nos alcançou. Nos ofereceu uma tortilha recheada com creme de milho. Sorria e brincava, olhando-nos com um olhar alegre.


“As dores do passado não doem de novo, pois elas nunca deixaram de doer, nós é que deixamos de prestar atenção nelas. Mas é prestando atenção que aprendemos a seguir em frente.

Não tente entender a razão das pessoas, pois todos têm a suas razões para proceder como procedem. O que os fracos escondem, os fortes alardeiam, mas no fundo todos têm medo.”


As palavras do inca me fizeram lembrar duas pessoas especiais e buscar entender as coisas que se passaram no passado e no presente. Acho que já está na hora de por em prática todo o aprendizado e valorizar aquilo que se tem de bom.

Chegamos ao galpão do curau e da pamonha. Era de longe o mais agitado. Todos preparavam os quitutes desde o descascar do milho até o amarrar das trouxinhas de pamonha. Muitos dançavam e cantavam alegres as músicas que tocavam. O preparo da pamonha é uma tradição que reúne todas as pessoas, homens, mulheres e crianças. Eu me lembro que algumas vezes fazíamos pamonha na antiga casa do meu avô, aquela do poema, e com milho roubado, que é mais gostoso. Vi a pequena menina se afastar e ir para perto de outras crianças que brincavam com espigas de milho mais ao fundo do local. Fui tirado para dançar e ouvi ao pé do ouvido:



“Não se atreva a definir o que é felicidade.
Os poetas de outrora, com fina capacidade,
Já disseram muita coisa e com muita intimidade.
Olhe sempre para frente, ame com liberdade.
Coragem, esqueça tudo de uma vez,
Vá em frente, faça da sua estrada uma rota 66.”


Fui pego pelo braço por outra moça, que como a anterior, falou-me ao ouvido:

“O poeta, entristecido, nunca havia poetado.
Seu poema, preguiçoso, dormia a sono solto,
No amor, muito pouco desenvolto,
Com as palavras nunca havia se enroscado.

De repente, descobriu-se poetando,
Os seus versos com o lápis foi traçando,
Seus poemas foram se estruturando,
Pois seu peito foi tocado com acalanto.

Vai seguir pela vida enamorado,
Do amor por si mesmo quase morto,
Ecoou da sua boca um grito rouco,
O poeta enfim foi despertado.”

Chegara a hora de partir. O bom velhote vestido de Visconde reapareceu me ofertando uma grande quantidade de comidas num enorme cesto. Era muita comida. Mas aceitei pois sabia exatamente o que fazer com aquilo tudo. Mas se eu estivesse contando essa história pessoalmente, no final dela, como de praxe, haveria um quitute para degustar, né? Me olhando nos olhos, disse outra vez o Visconde:


 “ ‘É preciso embriagar-vos’, não de vinho, nem de paixão, mas de pureza, de alegria, de histórias e de poesias...”


Me aproximei da menininha, que brincava no fundo do galpão. Vi que faziam bonecos e bonecas com os cabelos dos sabugos que não eram usados. Assim que me viu, se levantou, pegou na minha mão e me mostrou a sua boneca. Era linda, meio magrela, com jeito de moleca e com os cabelinhos de milho lisinhos, pretinhos e amarelinhos. Olhando, com saudade, distraído, fiz um cafuné e sorri. Fui despertado pela sua voz me dizendo: “Adorei sua cara de saudade...” É, eu senti saudade sim, é verdade.

Na saída recebi um bilhetinho de última hora onde se lia: “Nosso coração é a nossa casa e nela os amigos queridos são sempre bem vindos e nunca se vão. Você já é de casa.”


Dei um beijo na doce menininha e parti, com a promessa de voltar em breve, para a “Festa das Frutas”. É aguardar.












2 comentários:

Anônimo disse...

Quero ao vivo e em cores esse creme puro de milho e com um desses quitutes... Tá combinado . Adoro suas histórias...

Ricardo Jimenez disse...

Beleza minha criança. Vai ter um quitute de milho especial, mas é surpresa. bj