Outro dia
recebi um convite para visitar um lugar muito bacana. Lá, nesse lugar, em dias
determinados, é feito um festival específico sobre comidas típicas. O convite
que recebi me convidava para visitar o local no “Dia do Milho”.
Aceitei o
convite de imediato e tomei o rumo do lugar ansioso para experimentar logo as
delícias que certamente me aguardavam. Rapidamente, sem me despedir de ninguém,
arrumei minhas coisas e me mandei. O passeio foi tão legal que eu resolvi descrevê-lo assim: um pouquinho de realidade e um pouquinho de fantasia. Fique à vontade para separar uma da outra.
Na chegada
fui recepcionado por uma bela menininha, dos seus 12 anos, loirinha e
sorridente. Me disse que todo visitante ilustre tinha direito à uma recepção
especial e à conhecer todo o local da festa acompanhado por uma guia. Me senti
feliz, primeiro por ser chamado de ilustre e, depois, pela excelente companhia
que teria.
O lugar é
muito bonito, com um grande jardim com tendas espalhadas em cada canto. Dentro
das tendas, mulheres fazendo um determinado quitute de milho. Do lado de fora não se tem a impressão do tamanho do lugar. Fomos
interpelados por um homem vestido de Visconde de Sabugosa. Explicou-me que
Monteiro Lobato fora um habitué da
festa do milho. Acho bem a cara do Monteiro Lobato essa áura de fantasia que envolve o lugar. Com um largo sorriso e uma pose de reverência, disse o Visconde:
“Quer brincar no meu quintal?
Então entre de uma vez, é uma honra sem igual,
Convidado maioral. Experimente as comidas de sabor sensacional
E alegre o coração na festa do milharal!”
Então entre de uma vez, é uma honra sem igual,
Convidado maioral. Experimente as comidas de sabor sensacional
E alegre o coração na festa do milharal!”
Entrei meio
sem jeito, conduzido por minha pequena dama de companhia, pois não sou muito
acostumado a ser recepcionado de forma tão efusiva. Caminhamos por uma alameda
ladeada de gerânios brancos e vermelhos (sei o nome das flores porque a pequena menininha me soprava). A primeira tenda que entramos era a
dos bolos de milho. Meia dúzia de mulheres se movimentava nos preparativos dos
bolos enquanto que uma anciã sentada no fundo da tenda chamou a nossa atenção.
Era uma matriarca do local. Sorriu, disse que se sentia contente com a minha vinda e que já me esperavam há algum tempo, e me ofereceu dois tipos de bolo: um mais
consistente, como um bolo de fubá tradicional (ótimo para comer com um bom cafezinho) e outro, com uma casca mais
crocante por fora e um creme de milho por dentro. Uma delícia. Na saída fui
surpreendido com as palavras da gentil senhora:
“Não tenha pressa em ser feliz.
Seja aquilo que sempre quis.
Toda flor tem sua borboleta e sua felicidade.
Siga em frente com entusiasmo e a sua capacidade”.
Seja aquilo que sempre quis.
Toda flor tem sua borboleta e sua felicidade.
Siga em frente com entusiasmo e a sua capacidade”.
Nem tive
tempo de tentar entender o que ela queria dizer com aquilo e já fui sendo conduzido pela
bela criaturinha pelos caminhos do jardim, agora enfeitados com begônias
amarelas. De repente, fomos cercados por lindas moças carregando cestos de
bombocados de milho e broas de fubá. Dançavam à nossa volta freneticamente (eta lugarzinho pra ter mulher bonita!).
Meio perdido, nem percebi a chegada de um homem vestido de inca. Fui conduzido para
um grande pavilhão, onde uma multidão de” incas” trabalhava no preparo de uma
infinidade de quitutes feitos de milho. Tinha milho assado, milho cozido,
polentas variadas, frango empanado com milho, farofas de milho e tortilhas, a perder a conta. O pavilhão representava as “civilizações
do milho”: os povos da América sustentados pela cultura do milho, cheios de tradições milenares. Os cheiros
variados vindos de toda aquela comida eram inebriantes. Antes de sair, bebi uma
chita morada (suco de milho com
canela, abacaxi e limão), da cultura peruana, o que me fez lembrar um grande
amigo. Na saída, uma índia me falou:
“ Não olhe para o tempo, ele é rápido em
passar.
Nossa vida é efêmera, não fique muito a sonhar.
Viva sua vida, siga seu caminhar.
Muitas preocupações, tristeza só faz gerar,
Num piscar de nossos olhos, já estamos noutro lugar.
Estamos sempre ocupados, cuidando dos assuntos
E não vemos que felizes só ficamos quando juntos.
Deixe os medos, as angústias, deixe as culpas para lá,
Só invista o seu tempo no ato lindo de amar.”
Nossa vida é efêmera, não fique muito a sonhar.
Viva sua vida, siga seu caminhar.
Muitas preocupações, tristeza só faz gerar,
Num piscar de nossos olhos, já estamos noutro lugar.
Estamos sempre ocupados, cuidando dos assuntos
E não vemos que felizes só ficamos quando juntos.
Deixe os medos, as angústias, deixe as culpas para lá,
Só invista o seu tempo no ato lindo de amar.”
Saímos
caminhando distraídos pelas tulipas cor-de-rosa que agora enfeitavam o caminho
quando um inca apressado nos alcançou. Nos ofereceu uma tortilha recheada com
creme de milho. Sorria e brincava, olhando-nos com um olhar alegre.
“As dores do passado não doem de novo, pois
elas nunca deixaram de doer, nós é que deixamos de prestar atenção nelas. Mas é
prestando atenção que aprendemos a seguir em frente.
Não tente entender a razão das pessoas, pois
todos têm a suas razões para proceder como procedem. O que os fracos escondem, os
fortes alardeiam, mas no fundo todos têm medo.”
As palavras
do inca me fizeram lembrar duas pessoas especiais e buscar entender as coisas
que se passaram no passado e no presente. Acho que já está na hora de por em prática todo o aprendizado e valorizar aquilo que se tem de bom.
Chegamos ao
galpão do curau e da pamonha. Era de longe o mais agitado. Todos
preparavam os quitutes desde o descascar do milho até o amarrar das trouxinhas
de pamonha. Muitos dançavam e cantavam alegres as músicas que tocavam. O preparo da pamonha é uma tradição que reúne todas as pessoas, homens, mulheres e crianças. Eu me lembro que algumas vezes fazíamos pamonha na antiga casa do meu avô, aquela do poema, e com milho roubado, que é mais gostoso. Vi a pequena menina
se afastar e ir para perto de outras crianças que brincavam com espigas de
milho mais ao fundo do local. Fui tirado para dançar e ouvi ao pé do ouvido:
“Não se atreva a definir o que é felicidade.
Os poetas de outrora, com fina capacidade,
Já disseram muita coisa e com muita
intimidade.
Olhe sempre para frente, ame com liberdade.
Coragem, esqueça tudo de uma vez,
Vá em frente, faça da sua estrada uma rota
66.”
Fui pego pelo
braço por outra moça, que como a anterior, falou-me ao ouvido:
“O poeta, entristecido, nunca havia poetado.
Seu poema, preguiçoso, dormia a sono solto,
No amor, muito pouco desenvolto,
Com as palavras nunca havia se enroscado.
De repente, descobriu-se poetando,
Os seus versos com o lápis foi traçando,
Seus poemas foram se estruturando,
Pois seu peito foi tocado com acalanto.
Vai seguir pela vida enamorado,
Do amor por si mesmo quase morto,
Ecoou da sua boca um grito rouco,
O poeta enfim foi despertado.”
Chegara a
hora de partir. O bom velhote vestido de Visconde reapareceu me ofertando uma
grande quantidade de comidas num enorme cesto. Era muita comida. Mas aceitei pois sabia exatamente o que fazer com aquilo tudo. Mas se eu estivesse contando essa história pessoalmente, no final dela, como de praxe, haveria um quitute para degustar, né? Me olhando nos olhos, disse outra vez o Visconde:
“ ‘É
preciso embriagar-vos’, não de vinho, nem de paixão, mas de pureza, de alegria,
de histórias e de poesias...”
Me aproximei
da menininha, que brincava no fundo do galpão. Vi que faziam bonecos e bonecas
com os cabelos dos sabugos que não eram usados. Assim que me viu, se levantou, pegou na
minha mão e me mostrou a sua boneca. Era linda, meio magrela, com jeito de moleca e com os
cabelinhos de milho lisinhos, pretinhos e amarelinhos. Olhando, com saudade, distraído,
fiz um cafuné e sorri. Fui despertado pela sua voz me dizendo: “Adorei sua cara de saudade...” É, eu senti saudade sim, é verdade.
Na saída
recebi um bilhetinho de última hora onde se lia: “Nosso coração é a nossa casa e nela os amigos queridos são sempre bem
vindos e nunca se vão. Você já é de casa.”
Dei um beijo
na doce menininha e parti, com a promessa de voltar em breve, para a “Festa das
Frutas”. É aguardar.
2 comentários:
Quero ao vivo e em cores esse creme puro de milho e com um desses quitutes... Tá combinado . Adoro suas histórias...
Beleza minha criança. Vai ter um quitute de milho especial, mas é surpresa. bj
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