terça-feira, 31 de julho de 2012

Está tudo nos Poemas


Abrindo "A Arca da Alegria", faço mais um "Poema Para Uma Amiga", um "Cordel Quase Encantado"...
Olhem o “Olhar de Menina” “Olhando Pra Lua”, que “Niña Hermosa”. “Vamos Brincar?” , viajar pra “Terra de São Saruê” ou nadar com “As Baleias”? Não quero ficar mais “Sozinho” ou triste como “O Soldado Bertrand”. Quero cantar em “Esperanto (que o) Amor e a Amizade são Universais”. “Desculpa” se às vezes sou triste, é que “Somos Pessoas de Verdade” e quase sempre precisamos de “Só um Grãozinho de Açúcar” num “Puro Creme do Milho”.  E “Sabe o que é Mais Gostoso?”, é dizer “Sem Segredos”, nos meus poemas, “Ontem, Hoje e Amanhã” e sempre, o quanto você é “Mais do que Todas Juntas”. Sempre que quiser um novo poema ou um sorriso, “Me Chama, Estou  Aqui”. Você vai estar nos meus “Pensamentos” pois sempre será  Um Detalhe Para Amar”.  “O Mágico” vai fortalecer os “Laços” e “Eu Apenas Queria Que Você Soubesse” que “Um Raio de Sol” vai sempre iluminar nosso “Mundinho” porque ele é  Um Universo”. E, “Por Falar Em Coragem”, “Olha que Coisa Mais Linda”: se não fosse você, nada disso existiria...

Quero sempre fazer parte das suas melhores leituras... Beijo

Olha, que coisa mais linda!

Nossa, como ela é linda,
Que graça, que coisa.
Que olhar mais gostoso
Que tem essa moça!

Moça, me dá um pouquinho
Do seu olhar,
Pro meu coração
não se amargurar?

Em troca te dou
E não faço surpresa,
Um doce de milho
De sobremesa.

Também te farei
Lindas poesias,
Pra te alegrar e fazer companhia
Quando acordar, todos os dias.

Prometo.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

A Arca da Alegria



Outro dia viu tristeza
Saindo daquele olhar.
Não pôde admitir,
Nem mesmo se conformar,
Pois a dor dos contratempos
Basta a ele carregar.

Decidiu correr atrás
De um mito muito famoso,
Montou em seu alazão,
Forte, ligeiro, formoso.
Saiu no galope veloz,
Valente e esperançoso.

Correu mundo, procurou,
Visitou vales e montes.
Jogou moeda nas fontes,
Vasculhou as cercanias.
Fez de tudo pra encontrar
A Arca das Alegrias.

Esse mito caboclo
Venceu muitos valentões,
Foi o desejo da vida
De príncipes, condes, barões.
Pois a Arca da Alegria
Tira da noite pro dia
Toda a dor dos corações.

Dizem que esta arca,
Criada no arco-íris,
É o remédio mais do que certo
Pra todas as cicatrizes.
Foi feita há muito tempo,
Por deuses muito felizes.

Desceu o vale profundo,
Com o povo foi falar,
Aprendeu com quem detém
A Sabedoria popular.
Falou com a velha senhora,
Sentou na mesa do bar.

Entendeu que aquele povo,
Feliz, rindo a cantar,
Trabalha, acorda cedo,
Antes do Sol raiar,
E cura suas feridas
Sem com a arca contar.

Mas isso não era novo,
Disso ele já sabia,
Pois também eram guerreiros,
Nosso herói e a guria.
Enfrentavam como leões
Os problemas do dia a dia.

Mas aquilo que sentia
Não era coisa banal,
O olhar daquela moça
Era algo sem igual,
Gostaria de isolá-la
Da ação de todo o mal.

Foi ter com o coronel,
Cheio de terra e riquezas,
Mas só dinheiro não compra
Uma vida de belezas.
O coronel bem que sabia
Da tal Arca da Alegria,
Mas nunca a encontrou
E vivia em agonia.

Já no fim, muito cansado,
Sentou-se no chão a chorar.
Como poderia sem a Arca
A linda menina ajudar?
Resolveu um certo dia
Ir no circo perguntar,
Encontrou com um palhaço
Que não sabia falar.

O palhaço já bem velho,
Com sabedoria bastante,
Explicou com sua mímica
Para o homem soluçante,
Que ter a posse da arca
Não era o mais importante.

“Seu desejo era encontrar
A Arca das Alegrias
Para transformar uma vida
Num mundo de fantasias?
Mas isso é impossível,
Nem com a arca daria.

Transforme os seus momentos
Num lindo conto de fadas,
Crie com muito amor
Histórias bem encantadas.
Como eu no picadeiro,
Faça muitas palhaçadas.
E por trás das cortinas
Quando a dor da vida entrar,
Mostre que está ali
Com a ternura de um olhar.”


domingo, 29 de julho de 2012

Por falar em coragem...

" Coragem irmão, se você desanimar eu sofro... coragem irmão, e se alguém te desprezar, siga sua vida... se hoje tem tanta riqueza, seus sentimentos não acabaram...tem tanta gente que faz parte dessa riqueza, todos no seu coração sofrido." Cesaria Évora.

http://www.youtube.com/watch?v=b4__a_CBBVk

A coragem tem que ser exercitada, porque senão ela foge com medo dos nossos medos. Você só encontrará felicidade autêntica nos tristes, porque quando eles estão felizes, é de verdade. Um triste, um existencialista sabe ser feliz porque ele entende quando isso vale a pena. O ridículo aparece quando fico com vergonha de ser tão bobo por mostrar tão claramente quando estou feliz...

Tá bem...se vocês gostam...

Como eu disse, tudo começou de brincadeira mesmo. Ontem após ter publicado o "Soldado Bertrand", me senti meio ridículo em ficar escrevendo sobre meus sentimentos, mas aí fui surpreendido com mensagens aqui e no face pra continuar. Então vou continuar. E vou continuar escrevendo sobre sentimentos, até porque eu sei que, além de vocês que leem, há uma pessoa especial que adora ler e saber que eu às vezes me sinto ridículo. Tudo bem, até porque sem ela, 80% do que aqui se publica não existiria.
Aqui vai o verso final de um novo poema, que antes de ser publicado na íntegra aqui, será mostrado em primeira mão para a crítica especializada, com direito a quitute.


"Transforme os seus momentos
Num lindo conto de fadas,
Crie com muito amor
Histórias bem encantadas.
Como num picadeiro,
Faça muitas palhaçadas.
E por trás das cortinas
Quando a dor da vida entrar,
Mostre que está ali
Com a ternura de um olhar.”

Abraços.

sábado, 28 de julho de 2012

Fim do Blog

Tudo começou sem querer, como uma brincadeira. Gostei muito de escrever sobre coisas que estava sentindo em cada momento ao longo desses 4 meses. Foi surpreendente ter tantos acessos. Sei que muita coisa que escrevi serviu para bastante coisa e para ajudar pessoas especiais para mim. Mas acredito que já escrevi sobre tudo que queria e é hora de parar por um tempo porque não quero passar os sentimentos de agora nos textos. Quem sabe um dia o blog volte, em outra época e com outros temas. Quando um texto bacana vier à tona eu farei propaganda no face. Ficam os textos já escritos. Obrigado mesmo.

O Soldado Bertrand

Uma antiga história francesa fala sobre um soldado chamado Bertrand. Bertrand foi para as batalhas muito jovem porque seu país precisava de sua força. Deixou para trás os amigos de infância, deixou para trás as esperanças. Mas Bertrand encarou com vontade a realidade das guerras, e mesmo em um ambiente hostil conseguiu se sobressair muito bem.
Era correto, era bom no que fazia e todos tinham grande confiança em Bertrand. Todos sabiam que podiam contar com sua ajuda e com sua honestidade. Jamais enganou ninguém, mas percebia frequentemente o quanto era usado por muitos que não tinham escrúpulos. Fingia que não percebia porque, até aquele momento, acreditava que a causa maior da guerra compensava esses pequenos contratempos. Até que se cansou.
Bertrand se cansou de lutar. Percebeu que o esforço que fazia e as vitórias que conquistava não levavam à nada de prático, pois os generais, que usavam de sua força e de sua capacidade, no fim das contas, ficavam com a fama e dividiam as glórias com os inimigos de antes. Bertrand era sabedor de todos os podres por trás da política, mas acreditava na causa e sonhava alto. Até que um dia sofreu uma derrota. Não perdeu a batalha, pelo contrário, montou um bom exército, treinou todas as táticas, foi o responsável por todos os planos da batalha, mas, no final, soube que fora traído por seu próprio general. Receoso da liderança de Bertrand, o general tramara junto com os inimigos a sua derrota. Bertrand sentiu o gosto amargo da traição e, pesaroso, deixou aquele exército e voltou para sua cidade.
Na cidade, embora o seu caráter correto, a sua postura honesta e o seu jeito gentil facilitassem que muitos o rodeassem, Bertrand se sentia esquisito. Não entendia muito bem como a cidade funcionava. Via as pessoas correndo de um lado para o outro, via as pessoas indo para o trabalho rezando para que chegasse logo o fim de semana ou um feriado para poderem encher a cara de cerveja, assistir televisão, brigarem nas reuniões de família, denegrirem a imagem uns dos outros e se angustiarem com a chegada da segunda feira. A grande maioria das pessoas chamava isso de diversão. Bertrand também se divertia, era capaz de reunir um monte de gente, se ele quisesse, e todos passavam horas ouvindo suas histórias ou recebendo seus conselhos. Bertrand era um sujeito agradável que, querendo, fazia do ambiente onde estava algo prazeroso e saudável. Mas o velho soldado desgastado nas batalhas não lidava direito com essa tal de diversão, não compreendia como uma vida vazia e frustrante pudesse ser compensada em um fim de semana, ou em um feriado, ou mesmo na reunião de várias pessoas vazias bebendo para se anestesiarem. Para Bertrand, a alegria deveria estar presente sempre e a busca por uma vida mais produtiva e feliz deveria superar as frustrações cotidianas. Para ele, a maioria da pessoas via a diversão como uma fuga deprimente de suas próprias frustrações. Mas ele também conhecia pessoas que buscavam diversão como uma legítima vontade de ser feliz, de brincar com a seriedade da vida. Bertrand gostava disso, gostava de pessoas que não se levavam muito a sério, que brincavam mais e bebiam menos. Essas pessoas eram raras, muito mais saudáveis e Bertrand as adorava.
Bertrand sempre era, depois de algum tempo de convivência, a figura principal do meio no qual convivia. Ajudava a todos, compreendia, mesmo não gostando, aqueles que levavam suas vidas com rancor, com mentiras ou com falsidades, mas preferia os verdadeiros, principalmente os verdadeiros divertidos, que sentem tristezas como todo mundo mas não olham a vida com rancor. Ajudava a quem pedia, ajudava a quem precisava e, principalmente, fazia de tudo para dar bem estar àqueles que amava. Bertrand era uma figura, tinha uma pose marcial de soldado sem farda. Muitos que o conheciam só se sentiam seguros perto dele. Era como se a presença de Bertrand afastasse os perigos. E ele, sabedor, fazia com que se sentissem seguros de verdade. Quantas vezes as pessoas que estavam se sentindo sozinhas chamavam Bertrand para uma mesa de bar, para um bate papo. E ele, sabedor, reunia todos que estavam com os mesmos problemas e passava horas dando alegria a eles.
Mas o velho soldado tinha uma angústia. Invariavelmente Bertrand se sentia sozinho. Era um amante razoável e tinha muitos amores, mas também não lidava muito bem com o casamento e, assim, se mantinha afastado da tradicionalíssima instituição familiar. Isso causava certas dificuldades ao soldado. Bater de frente com a tradição social e com seus rituais afastava Bertrand de muitas de suas amizades mais prazerosas e também de muitos de seus amores. É muito difícil enfrentar a hipocrisia. Muitas vezes é preciso esconder a verdade para conviver bem com a mentira. Os dias mais solitários eram aqueles dias cerimoniais, ou seja, aqueles dias onde a família se reunia. O pior de todos era o fim de ano. Ou o soldado passava  a data absolutamente sozinho, ouvindo as comemorações, e foram muitas vezes, ou passava com um de seus amores, ouvindo cobranças para constituir a sua sagrada família. Bertrand se sentia cada vez mais sozinho em meio à tudo isso. Ele se via como um pilar de sustentação para muitos e ao mesmo tempo afastado de todos eles. Se sentia como no exército: importante, mas descartável.
Um dia o soldado partiu para longe. Muitos sentiram sua falta mas não se preocuparam em procurá-lo, seguiram suas vidas. Só se lembravam dele quando se sentiam aflitos. Anos mais tarde, já em outro lugar e novamente muito requisitado por todos, foi perguntado:
- Ei, Bertrand, você é a única pessoa que consegue reunir todo mundo e passar horas divertindo a todos, e você é querido por todos, todos se sentem seguros perto de você. Mas vejo certa tristeza. Você é feliz, soldado?
Bertrand suspirou, pensou em tudo que já passara na vida.
- A felicidade é uma explosão, um momento. Tenho momentos de felicidade. Mas na maior parte do tempo eu estou determinado em viver, em lutar, em buscar um sentido para ser feliz. Mas às vezes me dá uma certa tristeza em perceber que se de uma hora para a outra eu desaparer, as pessoas vão até estranhar a falta de algo, vão, vez ou outra, até comentarem de mim, mas não irão saber como estou, seguirão com suas vidas, porque de fato eu não faço parte da vida delas. É curioso saber que você na verdade não faz falta para ninguém.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

História para Adultos 4

Um Prazer Desconhecido


   Nádia vivera até aquele momento uma vida normal para uma menina de classe média de um bairro tranquilo da capital. Fora a filha tão esperada dos pais, a bonequinha protegida do irmão mais velho, uma aluna considerada inteligente. Tivera uma infância feliz, repleta de recordações, e uma adolescência comum, com amigas, risos e o dia do primeiro beijo devidamente anotado em seu diário.

   Acabara de completar 23 anos. Advogada formada, estagiando num excelente escritório, com grande potencial de futuro. Ficara noiva de Cláudio, um rapaz prestativo e trabalhador, com quem namorava desde os 19 anos, e que, acima de tudo, amava-a muito. Tinha a mais absoluta certeza de que com ele viveria um casamento normal e tranquilo.

   Nádia nunca tivera muitas preocupações existenciais, pensava no rumo que a vida estava tomando e aceitava-o de forma bastante natural. Casaria, teria filhos, tudo como o planejado, se não diretamente por ela, pela família, pelo mundo, sabe-se lá por quem, a vida é assim mesmo. Não iria abandonar a profissão, disso tinha certeza, mas já havia há muito se conformado com a ideia de que suas asas não seriam tão longas assim. Afinal, o casamento e a família eram prioridade. Não é assim que nos ensinam?

   Somente em certos momentos, que nos últimos tempos tornaram-se mais frequentes, sentia uma certa angústia, não sabia bem o motivo, o peito apertava, a respiração se acelerava, um incômodo na boca do estômago. Nunca fora de grandes aventuras ou de grandes ansiedades, mas aquilo estava realmente intrigante.

   O estágio no escritório era interessante do ponto de vista profissional, nada muito divertido, mas convivia com um pessoal amigável, inteligente e, entre eles, era especialmente próxima de Ester, também estagiária e na mesma faixa de idade de Nádia.

   Ester era bem diferente de Nádia. Ousada, ansiosa, ligeiramente irresponsável, bastante despudorada e, decididamente, solteira. Nádia gostava bastante de Ester, curtia as oportunidades em que saíam do escritório para bater um papo e tomar uma cerveja num barzinho qualquer. Apreciava imensamente as maluquices da amiga e pensava consigo mesma que, perto das de Ester, suas experiências sexuais eram quase nulas. Tirando o tempo em que estava com Cláudio, havia somente tido contato com outros dois rapazes, sendo que com um foram apenas beijinhos inocentes e com o outro, umas passadas de mão dentro do carro.

   Ester falava abertamente de sexo, tamanhos, posições e uma infinidade de safadezas que entretinham Nádia e, por vezes, a faziam dar muitas risadas. Nádia perdera a virgindade com Cláudio após três meses de namoro e, depois de algum tempo, aprendeu o que era um orgasmo. Transava com certa frequência, mas nada do que fizera ou sentira se aproximava daquilo que Ester contava em suas histórias.

   E, novamente, estavam as duas num barzinho, naquele final de tarde, após algumas cervejinhas. Ester, como sempre, acabara de contar mais uma de suas peripécias e Nádia estava pasma.

- Acho que você inventa algumas de suas histórias, Ester. Não é possível, essas coisas só acontecem em revista ou filme. E deu uma risada gostosa.

- Você diz isso, Nádia, porque nunca levou vara de verdade, nunca fez nada de sem vergonha, de perverso, mas um dia vai fazer e aí você me fala. Você só deu para o seu noivo, querida, isso é imperdoável. No mínimo terá de fazer uma despedida de solteira decente. As duas riram bastante.

   O tempo foi passando na mais perfeita harmonia. Nádia, além do trabalho, estava envolvida cada vez mais nos planos para o casamento. Discutiam a possível data, a compra de um apartamento, planos futuros, enfim, tudo o que cerca um casamento. Até mesmo aquela angustiazinha frequente havia quase desaparecido.

   Certa manhã, chegando ao escritório, foi chamada na sala do doutor Rubens, seu chefe. Doutor Rubens era o filho de um velho amigo de seu pai, que gentilmente a recebera como estagiária no escritório. Era um chefe amigável, extremamente educado, sério e compenetrado no trabalho. Nunca tivera problemas de relacionamento com ele e nem com nenhuma outra pessoa do escritório. Tinha absoluta certeza da sua efetivação como advogada em tempo breve.

- Bom dia, Nádia, sente-se, por favor. Pedi para que viesse até aqui porque tenho algo importante a lhe dizer.

   Rubens disse isto enquanto ajeitava a gravata e passava a mão no cabelo fixado com gel. Tudo nele era impecável. De tamanho franzino, de maneiras delicadas, por volta dos trinta anos, ternos sempre perfeitos, um verdadeiro dandy.

   A expectativa de Nádia era grande, porque poderia estar para ser anunciada a sua tão esperada efetivação.

- Bom, acho que a notícia que tenho para dar é boa. Estive conversando com os sócios do escritório e decidimos pela sua contratação como nossa advogada.

   Um grande sorriso surgiu nos lábios de Nádia, teve vontade de se levantar e dar um abraço em Rubens, mas a prudência a fez permanecer sentada.

- Poxa vida, doutor Rubens, sinto-me muito honrada com esta notícia. Muito obrigada.

- Também fico feliz e acho que você mereceu. Disse o doutor Rubens com um carinho sincero. Mas tem mais uma coisa, nos próximos seis meses terei que realizar um curso nos Estados Unidos e você vai, durante este período, trabalhar com o doutor Jorge, da filial do Rio de janeiro. O Jorge vai me substituir aqui durante o tempo em que eu estiver fora e você irá se reportar diretamente a ele. Vai ser muito bom para você, ele é um excelente profissional e vai te passar muita experiência.

   Trabalhou o restante do dia feliz com a notícia, voltou para casa e contou a novidade a todos. Agora tudo se encaminhava para o casamento planejado. Somente na hora de dormir voltou a pensar na conversa que tivera com o doutor Rubens. Como será esse tal de Jorge? Suspirou.

-


   Dali a uma semana o doutor Rubens já havia viajado e chegara, enfim, a manhã do dia da apresentação do novo comandante temporário do escritório, doutor Jorge de Melo.

   Nádia chegou ao escritório animada e, assim como todos, na expectativa. Jorge foi apresentado a todos pelo doutor Sá, um dos sócios. Nádia foi tomada de surpresa, esperava algo semelhante aos advogados que frequentavam o escritório, mas via à sua frente um homem jovem, másculo, alto, queimado de Sol, sorridente, mas com pose de autoridade.

- Bom dia. Será um prazer poder trabalhar alguns meses com vocês. Tenho ótimas referências de todos aqui. Com o passar do tempo vocês irão me conhecendo melhor e eu a vocês. Você deve ser a Nádia, não?

- Sim, muito prazer.

- O prazer é meu. Me acompanhe até minha sala, por favor. Enquanto a vocês, ao trabalho, tudo continua igual.

   Falou com a enorme naturalidade de quem é acostumado a mandar.

   Nádia, estranhamente, gostou do que presenciara. Entrou na sala que era do doutor Rubens com uma satisfação que não entendia.

- Bom, Nádia, o Rubens me passou que você foi recentemente contratada e que é uma profissional bastante qualificada. Acredito que nos daremos bem. Vou assumir todos os casos do Rubens até sua volta e quero que você trabalhe exclusivamente comigo, tudo bem?

- Sim, doutor Jorge. Será um prazer, pode contar comigo.

- Muito bem. Faça um relatório completo dos casos prioritários e deixe sobre minha mesa no final do dia. Pode ir.

   O modo de falar chocou, para o bem e para o mal.

   E assim foram todos os dias: ordens, prazos, cobranças, nenhum elogio e nenhuma folga. Aprendia muito, mas sentia-se bastante cansada. Porém, o que mais a incomodava era o fato de que no trato com sócios e clientes, Jorge era o oposto: alegre, leve e divertido. Mas com Nádia, nada.

   Ser tratada de maneira profissional, polida e respeitosa era tudo o que Nádia podia desejar de um chefe. Mas ser tratada exatamente dessa forma por Jorge a deixava com raiva. Nádia não sabia como e nem o porque, mas aquele homem estava mexendo com ela. Cada ordem, cada posicionamento firme que tinha a deixava mais fascinada. Surpreendia-se olhando para ele e, em casa, pensava nele.


-

   Nádia não tinha se dado conta, mas, com o passar das primeiras semanas, havia mudado bastante. Nunca houvera sido desleixada com a própria imagem, mas nos últimos tempos ela se vestia de maneira sexy, ombros à mostra, batom nos lábios, perfume, salto alto. Entre seus colegas de trabalho essa mudança não passou incólume.

- O que está acontecendo, Nádia?

- Como assim, Ester?

- Todos têm notado e comentado como você mudou, e não só a roupa, o andar, a postura. Tá dando pra alguém? Riu cinicamente.

- Para o meu noivo. Agora que me efetivei e estou progredindo, tenho que manter a postura. Mas as línguas de trapo nunca perdoam, não é?

   Aquela conversa com Ester a fez parar em frente ao espelho do banheiro e se olhar. Será que algo tinha mudado? Será que alguém percebia sua ansiedade diante da presença de Jorge?

   Naquele mesmo dia Nádia iria tomar conhecimento de que não eram apenas os colegas de escritório que haviam notado suas mensagens comportamentais. Jorge, instintivamente, tinha percebido a insegurança de Nádia e, sabedor de sua história através de Ester, armara o bote para saborear mais uma noivinha deliciosa.


-


   Era de tarde e Nádia estava na sala de Jorge passando uns informes sobre o andamento de alguns processos. Neste dia vestia um conjuntinho charmoso, porém sério, de saia e blazer pretos ajustados com uma blusa branca.

-Então está tudo certo. Ótimo trabalho, Nádia.

   Pela primeira vez, Nádia notou um tom de voz diferente em Jorge. Em menos de dez minutos ele havia sorrido para ela duas vezes de modo misterioso, discreto, mas com o um olhar profundo. Estar sozinha com ele naquela sala era uma situação corriqueira, mas o clima dessa vez a estava deixando um pouco ofegante.

   Ela estava de costas arrumando os papéis sobre a mesa quando sentiu a presença dele às suas costas. Dava para ela sentir, com a proximidade, o calor do seu corpo.

- Seu perfume é muito bom. Disse Jorge de modo decidido.

- Obrigada. Nádia deu uma resposta buscando ser firme, mas estava trêmula.

   A situação que estava armada tinha tudo para acabar ali mesmo, numa frustrante saia justa. Mas Jorge estava no controle da situação, sua experiência lhe dava a segurança sobre os reais sentimentos de Nádia, mesmo que a timidez desta os levasse a um desajeitado distanciamento.

   Nádia virou-se de frente na intenção de sair, mas Jorge permaneceu onde estava, olhando em seus olhos. Com a firmeza de sempre, colocou a mão em seu cabelo ajeitando-o atrás de sua orelha. Sem que Nádia dissesse uma única palavra, ele segurou-a pela nuca. A sensação de firmeza daquele toque deixou Nádia arrepiada.

- Volte aqui no final do expediente. Disse Jorge num tom baixo, quase com a boca colada na boca de Nádia.

   Nádia saiu rápido, desconcertada. Não viu o sorriso confiante de Jorge ao vê-la sair assim.

   Inúmeras emoções formavam um turbilhão nos pensamentos de Nádia. O que era isso? Nunca imaginara passar por algo assim. A vida dela sempre fora tão calma e agora isso? Passava do arrependimento para a culpa e dessa para a raiva, mas tudo terminava na inacreditável sensação de taquicardia e ardência na boca do estômago.

   Havia tomado uma decisão, iria entrar na sala dele ao final do expediente e dizer que aquilo era um engano, que era noiva e iria casar, além disso, era séria e o que havia rolado deveria ser esquecido. Pensava também em não parecer ofendida diante dele, não era para tanto, mas deixaria claro que o que ocorreu na sala mais cedo era errado e era melhor que ambos fingissem que nunca tinha acontecido. Mas a ardência só aumentava.

   Entrou na sala fingindo decisão. Encontrou Jorge de costas para a porta, de frente para sua mesa de trabalho, mexendo alguns papéis. Foi logo falando, com a voz trêmula.

- Preciso te falar uma coisa. Acho que aquilo que houve mais cedo...

   Rapidamente, Jorge virou-se pegando-a forte, envolveu-a em seus braços e, sem que houvesse tempo de reação, a beijou sofregamente. Nádia só teve tempo de respirar forte e segurar nos ombros de Jorge.

   Jorge segurou firme o corpo de Nádia, encostou-a na parede e se deliciava com a maciez de sua língua e a doçura do cheiro daquela fêmea. Sentia o beijo ser correspondido, pressionava a pélvis contra Nádia, que podia sentir totalmente a excitação de Jorge.

- Todo mundo já foi? Sussurrou no ouvido de Nádia.

- Já. Respondeu com a voz vacilante.

   Com a mão firme, suspendeu sua saia, abaixou sua calcinha e com firmeza, mas de modo carinhoso, apalpou sua xoxota quente e úmida de tesão.

- Ai, não, eu não posso, não faz isso, ai, ai... Gemeu gostoso quando sentiu o dedo de Jorge massagear seu clitóris.

   Nádia nunca havia sentido tamanho desejo. A língua áspera em sua boca, a pegada forte no seu corpo, os movimentos decididos de Jorge, o fato de estar com a calcinha abaixada, tudo era novo, um prazer ainda desconhecido.

- Gostosa. Disse Jorge enquanto abria os botões de sua blusa e levantava o sutiã com as duas mãos, colocando, um de cada vez, os peitinhos de Nádia em sua boca. Nádia só gemia.

- Eu estava louco pra sentir você. Cheirosa, gostosa. Disse Jorge ao seu ouvido.

   Num movimento rápido, suspendeu sua saia acima do quadril, levantou-a no colo colocando suas pernas em volta da sua cintura. Não havia tempo para recusas, as respirações aceleradas se misturavam e as línguas se roçavam despudoradamente. Jorge a penetrou, forte, decidido. A cada estocada um novo grito, os corpos mexiam num movimento ritmado.

- Tá gostoso? Quer mais? Diz pra mim, diz...

- Ah, ai, hum...quero, tá...gostoso, ai, ai, ahhhhhh...

   O orgasmo veio de uma vez só e tomou todo o corpo de Nádia. Foi uma sensação de prazer maravilhosa que terminou em um sensacional sentimento de satisfação e de relaxamento.

   Ainda com os corpos colados, olharam-se nos olhos, profundamente. Jorge a beijou ternamente e a colocou no chão. No mais completo silêncio, Nádia se arrumou e deixou a sala.



-



   Nádia pouco dormiu naquela noite. Desmarcara um compromisso com o noivo, não quis jantar e se trancou em seu quarto. Desconversou alegando indisposição quando questionada pela mãe do porque de estar esquisita.

   Sentia-se meio culpada em relação ao noivo, mas o que a incomodava era a emoção que estava sentindo. Experimentara uma sensação única e ainda desconhecida nos braços daquele homem e, para seu próprio desespero, queria mais. Mas, não, de jeito nenhum, estava decidida a não seguir em frente com aquilo. Falaria com Jorge definitivamente na manhã seguinte.

   Pela manhã, no escritório, se surpreendeu com a ausência de Jorge. Mandara avisar que estaria fora o dia todo e que era para Nádia tocar as coisas em sua ausência. Esse acontecimento inesperado a desarmou. No meio do dia ela já havia se esquecido de sua determinação em acabar com tudo e só pensava em Jorge, nos seus beijos e em tudo o que lhe havia dado tanto prazer.

   Eram cinco horas da tarde quando Jorge entrou no escritório. Nádia, que já não esperava mais vê-lo, recebeu o chefe com o coração aos pulos.

- Boa tarde a todos. Nádia, por favor, antes de você ir embora gostaria de lhe falar. Venha até minha sala, quero um relatório das atividades do dia.

- Pois não, doutor.

   Antes de entrar na sala de Jorge, Nádia encontrou-se com Ester, que estava de saída.

- Nádia, você não vai no barzinho hoje? Vai fazer hora extra? Ah, mas que folga desse cara, hein?

- Vou sim, pode me esperar lá. Termino rápido aqui e vou direto. Tudo bem? Despediu-se da amiga e entrou na sala de Jorge.

   Fechou a porta atrás de si e ficou ali, de pé, olhando para ele. Jorge se levantou, caminhou em sua direção, parou e sorriu.

- Como passou o dia hoje? Foi tudo bem?

- Foi. Eu estive pensando... Nádia parou de falar quando Jorge tocou seu rosto, se aproximou e a beijou.

   Beijavam-se feito loucos. Uma tensão sexual crescente havia se acumulado em ambos durante todo o dia, um fogo acendido no dia anterior, quando Nádia experimentou o melhor orgasmo de sua vida e Jorge ficou totalmente impregnado pelo cheiro da pele de Nádia.

- Só pensei em você o dia todo, precisava te ver. Disse Jorge, já arrancando a roupa de Nádia.

- Isso é loucura, meu Deus. Também pensei em você.

   Jorge tirou a roupa de Nádia, virou-a de costas para ele, levou-a até o encosto do sofá. Mordia sua nuca, beijava suas costas. O cheiro da pele de Nádia fazia Jorge perder a noção de tudo. Sua vontade era sorver cada pedacinho dessa mulher deliciosa. Dobrou o corpo de Nádia sobre o encosto do sofá, desceu beijando até suas coxas, mordeu suas nádegas e, com volúpia, enfiou a língua naquela coisinha linda e cheirosa. Sugava, sorvia, lambia. Nádia tinha um gosto adocicado, um azedinho discreto e um cheiro gostoso, era como saborear uma maçã verde. Era isso, a xoxota de Nádia tinha gosto de maçã verde.

   Nádia não acreditava no que acontecia, jamais se imaginou em uma situação dessas. Vibrou de prazer quando sentiu a língua de Jorge em seu anus, pressionando, provocando um arrepio intenso. Nunca na vida fizera algo tão obsceno. Gemia alto.

   Jorge penetrou-a naquela posição. Acariciava sua costas, pegava-a pela cintura, massageava seus seios. Nádia gritava, seu corpo balançava no movimento de Jorge. Estava linda, apoiada no encosto do sofá, o traseiro empinado e os cabelos caídos sobre o rosto.

   Transaram por horas, nas mais diversas posições. Beijaram-se, olharam-se, amaram-se.

- Preciso ir embora. Tinha um compromisso com a Ester, mas vou ter que arranjar uma desculpa amanhã.

- Que pena. Por mim ficava a noite toda aqui. Disse Jorge, acariciando-a nos cabelos.

- O que é isso que tem rolado entre a gente? É uma loucura, nem te conheço direito. Você pode não acreditar, mas isso nunca aconteceu comigo.

- Eu acredito. O que rola entre nós é tesão, química. É o melhor sexo que existe, quando há cumplicidade de corpos.

- Eu sou noiva, vou me casar. Você também sabe disso, não é?

- Sei. Mas o que estamos fazendo não é namoro, nem noivado, é só sexo. Jorge sorriu de maneira charmosa.

- É, e eu nunca imaginei fazer isso. É engraçado, mas uma amiga sempre me disse que um dia isso iria acontecer. Não posso negar que está sendo ótimo.

-



   As semanas foram passando e o caso entre os dois prosseguia. A cada vez que se amavam o tesão aumentava, a cumplicidade de corpos melhorava e o prazer do sexo era mais intenso. Transavam todo dia, até duas vezes no mesmo dia. Foi impossível que seu noivado não esfriasse. Não que um dia tenha sido quente, mas havia carinho. Porém, nos últimos tempos, a coisa andava totalmente fria, já não via graça nos assuntos e se irritava com a mesmices de Cláudio. E não era só com o noivo que a coisa ia mal, Ester também cobrava sua atenção. Nádia se sentia culpada, pois nem Cláudio e nem Ester eram responsáveis de nada, apenas ela, Nádia, estava numa fase intensa de emoções e isso refletia em sua vida cotidiana.


-



   Numa manhã, ao chegar para trabalhar, foi chamada na sala de Jorge. Após os amassos de sempre, Jorge disse:

- Neste final de semana vou participar de um evento no Rio de Janeiro, um encontro de advogados num hotel de luxo. Gostaria que você fosse comigo. Não é trabalho, você vai como minha acompanhante. Você aceita?

- Não sei. Eu gostaria, mas fico com medo.

- Não tenha medo, lá ninguém te conhece e você apenas estará me acompanhando. Se alguém perguntar eu digo que você é minha secretária e que está a trabalho. Vamos?

- Tudo bem.


-


   Chegaram no Rio de Janeiro no começo da noite. Houve apenas tempo para passarem no hotel e se prepararem para o evento. Nádia se vestiu maravilhosamente, à altura do evento. Enquanto aguardava por Jorge e no caminho para a festa, sentia-se meio esquisita, não sabia o que era, mas não era agradável.

   Durante toda a festa, Nádia reparou nas pessoas. Muita gente rica, muito figurão, advogados acompanhados de mulheres extremamente bem vestidas, apresentando-se mutuamente como uma grande cena de teatro. Tudo aquilo soava meio falso para ela. Via os homens desfilarem com suas mulheres como se estas fossem seus troféus, e, certamente, muitas daquelas não eram esposas. Era um mundo diferente, afetado, cerimonioso que ela não gostou de se imaginar participando. Sentiu saudade de casa, sentiu saudade de Cláudio e sentiu saudade das risadas com seus amigos, risadas genuínas, despretensiosas.

   Mais tarde, no hotel, fizeram sexo como sempre, intenso, safado, prazeroso. Mas Nádia percebeu que era apenas isto, sexo. Não gostaria de se tornar mulher de Jorge, nem de frequentar estas festas e eventos chiques e fúteis. Claro que o casamento com Cláudio não seria uma montanha russa de emoções e se ela fosse uma mulher com grandes necessidades emocionais não se casaria com ele. Mas ela não tinha essas necessidades e, sinceramente, faria com todo prazer a vontade dos pais e a vontade de Cláudio, se casaria, mas jamais se esqueceria que guardava dentro de si uma fêmea ardente, capaz de proporcionar a um homem um prazer único, ela sabia ser safada, intensa, se quisesse, e isso a deixava feliz. Era uma mulher que comandaria sua vida de agora em diante.

   Quanto a Jorge, continuou sendo um bon vivant, teve muitas mulheres, se casou com uma linda moça capaz de circular elegantemente pelos salões cariocas, mas nunca se esqueceu do gosto maravilhoso de maçã verde que verdadeiramente mexeu com sua cabeça.



  








segunda-feira, 23 de julho de 2012

Sabe o que é mais Gostoso?

Uma das coisas mais gostosas da vida é quando, em uma relação interpessoal, não precisamos dizer uma só palavra para termos certeza que o amor, a confiança e a alegria estão presentes. E quanto mais o tempo passa, mais isso se confirma e mais confiança se tem, mesmo que às vezes tenhamos timidez em dizer. A verdade é passada sempre pelo olhar, essa é a magia. Olhe no olhar de quem você gosta e diga, sem palavras, tudo o que a boca não consegue e saiba de tudo o que o outro precisa sem que seja necessário que ele te diga.. O carinho sincero de uma amizade é o melhor remédio para a angústia. E sabe o que é mais gostoso? É saber que tudo isso é espontâneo e de verdade.

obs: Para mim, é muito bom e recompensador sentir esse carinho especial, puro e cuidadoso por uma pessoinha, assim, tão apimentadamente adorável e tão deliciosamente verdadeira. Essa é só mais uma pequena homenagem...

domingo, 22 de julho de 2012

Veganismo, Política e Sociedade


Outro dia assisti a um vídeo sobre veganismo e isso me fez refletir um pouco sobre esse assunto. Não quero aqui fazer um texto polêmico até porque acho o veganismo uma postura respeitável e moderna, mas, como toda postura humana, tem um viés político que não pode ser desprezado. No fundo, esse texto tem o objetivo de discutir política, dentro da discussão sobre veganismo.

O que eu pude perceber é que existem, grosso modo, três razões básicas para se adquirir uma postura vegana ou de não-violência aos animais em geral: a razão ética (filosofia de vida com base nos direitos dos animais, que prega o fim da exploração animal como um todo e considera os graus de senciência animal, ou seja, a capacidade de antecipar e ter sensações de prazer ou de sofrimento), a razão religiosa (uma postura de não agressão aos seres vivos, geralmente animais, como forma de evolução e harmonia espiritual. Presente em filosofias religiosas de cunho oriental) e a razão ligada à saúde (uma dieta vegetariana seria mais saudável e evitaria algumas doenças degenerativas ligadas ao consumo de carne animal e laticínios). Sobre a razão religiosa eu não vou me pronunciar, porque o debate religioso foge ao objetivo argumentativo desejado para este texto. Porém, certas posturas veganas, que serão debatidas mais à frente, flertam com a religiosidade, e isto não será ignorado. Serão discutidas, enfim, as razões éticas e as razões de saúde, que de alguma forma caminham juntas.

Um vegano é uma pessoa que não consome nenhum produto de origem animal ou que tenha sido produzido usando animais de qualquer forma (tendo por trás a postura ética e de saúde). De modo geral, eu concordo plenamente com o movimento que combate a exploração animal. Aqui, por enquanto, eu vou me afastar um pouco da questão alimentar, que será melhor debatida posteriormente, e vou me concentrar na exploração animal como um todo, priorizando o uso de animais para a diversão humana. Acredito que hoje não haja prática mais deplorável que esta. Uma prática ligada ao consumo de massa e das massas, além de sua alienação. O sistema capitalista nos vende todos os dias a ideia de que o consumo é o caminho da felicidade e que divertir-se é o objetivo da vida. Tudo bem, compre essa filosofia quem quiser, mas usar animais como instrumento de divertimento humano, dentro dessa filosofia, é um absurdo irracionalmente violento e que beira um sadismo semi-consciente. O uso de animais para o divertimento humano (rinhas de galo e de cães, corridas de cavalo e de cães, esportes que usam cavalos, touradas, etc) é milenar e tem raízes nos primórdios da prática agrícola. Mas o ser humano é o único animal que tem a obrigação de usar sua capacidade de consciência reflexiva para evoluir suas próprias práticas, e acho que já passou da hora de se proibir o uso de animais para a diversão humana. A permanência dessa prática é inadmissível.

Mesmo as práticas que se iniciaram como um modo de vida e de produção, como as montarias em cavalo e touro, que nos seus primórdios eram usadas para tornar os animais úteis ao trabalho no campo, hoje servem apenas ao divertimento humano e precisam ser combatidas. Sem radicalismos, há no meio rural ainda a necessidade do uso de animais chamados de “carga”, e isso precisa ser visto sob o ponto de vista da legislação (aqui entra a questão política pela primeira vez). Resolver a questão do uso animal para o trabalho da lavoura passa pelo avanço das condições de vida no meio rural (que são péssimas, além de fonte de clientelismo político retrógrado), e passa pela questão política, inclusive passa também pelo combate ao trabalho escravo no meio rural, ainda existente em muitas partes do mundo. Agora, os rodeios modernos são, na minha opinião, um absurdo. Que as pessoas que gostem de música sertaneja e que gostem de se vestir de cowboy e curtir esse tipo de cultura, ou seja, o ambiente country ( diga-se de passagem, importado dos EUA) tenham todo o direito de se reunirem num evento do tipo, mas o uso do animal dentro de uma arena somente para divertir esses seres humanos é deprimente. Mas, esses eventos modernos que usam animais como diversão são uma fonte inesgotável de dinheiro e atraem milhões de pessoas, e aí a questão política aparece novamente. Sinceramente, não entendo como uma pessoa possa achar legal, agradável, ver bezerros serem laçados pelo pescoço ou touros e cavalos pulando com homens nas suas costas tendo a virilha (ou o saco) amarrada por uma corda sem nenhum outro motivo que não seja o de “divertir” seres humanos. É, no mínimo, algo de profundo mau gosto. Da mesma forma que o uso de animais em circos, algo que beirava o sadismo e felizmente está em extinção, o uso de animais em rodeios precisa ser regulamentado e algumas práticas deveriam ser proibidas.

Felizmente há sinais que o uso de animais para diversão humana, principalmente as práticas mais violentas, estão enfrentando resistência mundo afora.  Isso é uma questão de consciência, de bom senso de quem compra esses eventos e também uma questão política, de disputa pelo Estado Nacional, que no fim das contas é quem legisla sobre os assuntos sociais.

Um outro aspecto que merece uma reflexão é a postura vegana de não adquirir produtos que em sua cadeia produtiva seja utilizada, de alguma forma, a exploração animal. Há um movimento, ainda mais amplo que o veganismo, intitulado de Freeganismo. Os freegans além de não consumirem produtos de origem animal, também rejeitam a atual estrutura social consumista e exploradora. Cito isto porque considero importante que a decisão de não consumir produtos de origem animal venha de uma postura política e ética de contraponto à sociedade do consumo exploradora e destruidora ambiental que temos atualmente, mas sem radicalismo inútil, sem fanatismo que flerta, como já mencionei, com uma religiosidade sobre a qual não quero me aprofundar. Assumir uma postura vegana ou freegan como algo de matiz humano, ético e político é positivo e louvável. Essa postura mais racional é perfeitamente capaz de debater questões como a das vacinas, que são produzidas com o uso de animais. Há veganos que se negam até a usar dessas vacinas. Respeito, em geral, as posições pessoais, mas, sinceramente, se colocar contra a produção de vacinas hoje é uma postura inconsequente e que coloca em risco a vida humana, também um tipo de animal que precisa ser protegido. É um pouco diferente do debate sobre o uso de animais como cobaias de maneira indiscriminada, como ocorre atualmente. Acredito que se possa usar animais em pesquisas, principalmente aquelas que tragam avanço de qualidade de vida para humanos, animais e ambiente, mas isso deve ser feito dentro de um rigoroso código de ética. Porém, ouso escrever que a maior parte das pesquisas que usam animais como cobaias são inúteis, causam dor e sofrimento desnecessários aos animais e poderiam ser realizadas sem o uso dos mesmos. Aí, sim, nesse ponto eu concordo com a causa vegana. Ainda dentro do tema: consumo de produtos que utilizam a exploração do animal humano na sua cadeia produtiva, não há hoje nenhum componente eletrônico usado em automóveis e computadores que não tenha a cruel exploração do trabalho humano na sua cadeia produtiva. Não há um produto agrícola ou de vestuário (algodão, seda, etc) que seja produzido sem a cruel exploração do trabalho humano. Não há um produto feito de metal ou de minérios (joias, brocas, lâminas etc) cuja produção não se utilize da exploração humana. A indústria do açúcar, do álcool e mesmo a indústria do petróleo não são bons exemplos de proteção ao trabalho humano. Enfim, mais uma vez cabe aqui o debate político, de qual sociedade queremos construir e o quanto nós, mesmo sem querer, contribuímos para a permanência e reprodução desse modelo, sendo veganos ou não. A questão é bastante complexa.

Entrando um pouco nas questões de saúde, mas ainda dentro do tema geral, de uso de animais, trago agora alguns argumentos veganos que buscam demonstrar os benefícios da prática.  O primeiro grande argumento é evitar o sofrimento animal, no que estou de pleno acordo. Esse argumento é baseado principalmente nas práticas da pecuária bovina, mas também se estende à produção de frangos, porcos, caprinos etc. É preciso combater duramente a indústria desenfreada da carne (uma prática também importada dos EUA), principalmente a pecuária de confinamento que atende à indústria dos alimentos congelados e gera terrível sofrimento aos animais. Além disso, mais da metade da produção de grãos no mundo é destinada à alimentação de animais confinados, ao invés de ir para a mesa das pessoas por um preço razoável. E a pecuária extensiva é uma das maiores causadoras de desmatamento, principalmente no Brasil. Além dos inúmeros matadouros clandestinos ou que não são fiscalizados (do mesmo modo como o uso de cobaias deve estar sob rígido código de ética, o abate animal destinado a alimentação também deveria estar). Em termos de saúde, há o uso desenfreado de hormônios, além do fato de que uma alimentação rica em carne é fonte de colesterol ruim, causador de doenças isquêmicas como o infarto e o derrame (principais causas de mortes no mundo). Portanto, todo ser humano deveria diminuir o consumo de carne e aumentar o consumo de vegetais, é indiscutivelmente uma atitude saudável. O consenso é que as pessoas deveriam se alimentar melhor e a diminuição do consumo de carne contribui para isso. Se, dentro dessa perspectiva, uma pessoa se tornar vegana, tudo bem, desde que tenha condições de ter acesso aos produtos específicos dessa prática, além dos vegetais de origem “orgânica”, livre de agrotóxicos (lembrando que tudo isso custa bem mais caro). E aqui cabe uma reflexão: os principais produtos que hoje são desenvolvidos para o público vegano (inclusive produtos de soja que imitam a consistência e o sabor da carne) pertencem à multinacionais do setor de alimentos, as mesmas que comandam a indústria da carne, dentro do sistema capitalista, cabendo mais uma vez o debate político sobre o tema. Além disso, os produtos de origem orgânica, mais saudáveis e livres de agrotóxicos não são acessíveis à população atualmente, ficando as pessoas à mercê da agricultura tradicional, ligada ao sistema de consumo. Ou seja, uma pessoa comum que se torne vegana vai contribuir para o movimento de combate a dor animal e diminuir o consumo de carne , mas não estará livre dos agrotóxicos. Cabe mais uma reflexão política aqui? Acredito que sim. Portanto, sou favorável a se combater a indústria da carne e sou contra principalmente à pecuária de confinamento, mas o tema é bastante complexo e passa por um debate político-social.

Por fim, acredito que há graus de senciência entre os seres vivos. Mamíferos de grande porte, como os bois e vacas, são bastante sensíveis ao sofrimento, conseguindo inclusive prever o sofrimento, e o trato com esses animais deveria passar por uma revisão, sim. Mas o consumo de carne de origem piscosa ou de frutos do mar é um caso um tanto diferente. Sei que veganos não consomem nem mesmo esse tipo de alimento, mas acredito que esses animais (peixes, moluscos, crustáceos etc) não têm o grau de senciência de um mamífero de grande porte, além do que o consumo desse tipo de carne é saudável. Mas, assim como os vegetais orgânicos, esses produtos estão fora do alcance monetário da população, ficando essa à mercê mais uma vez da indústria alimentícia da carne de boi. A questão que se impõe é a de que a alimentação também é algo ligado ao sistema de consumo capitalista, sendo muito difícil para o cidadão romper essa barreira. Há uma questão política aí também.

Diferentemente do que pregam alguns veganos, não acho que o ser humano seja um animal herbívoro. Ser herbívoro 100% ou carnívoro 100% é relativamente raro no mundo animal. A maioria dos animais tem um certo grau de onivorismo ( e o ser humano também ). Isso é compreendido evolutivamente pela busca da sobrevivência, ou seja, um bicho vivo ou se adapta ou morre e, assim, come o que aparecer. Animais 100% carnívoros têm dificuldades alimentares, assim como os 100% herbívoros, que necessitam de simbiontes para auxiliar na digestão da celulose. Dessa forma, os animais onívoros são mais adaptáveis. A presença ou ausência de garras e de caninos não são condições de definição de carnivorismo ou de herbivorismo. O gorila tem um canino enorme e é herbívoro ( passa 90% do seu dia comendo, porque tem dificuldade de acesso aos nutrientes do alimento), já o chimpanzé come carne e inclusive caça. Pois bem, o homo sapiens certamente já deve ter praticado por muito tempo o consumo de comida in natura, inclusive carne, mas aprendeu que cozinhando facilitava a absorção dos nutrientes e melhorava o sabor das coisas. Evoluiu, teve maior aporte nutricional e proteico, inclusive comendo carne. Acredito que a discussão mais importante agora não é se o ser humano é herbívoro ou carnívoro (até porque ele é onívoro, com uma pré-disposição maior ao consumo de vegetais, que por isso são mais saudáveis), mas como no atual estágio de desenvolvimento humano vamos poder construir uma sociedade onde se possa não só se alimentar de maneira mais saudável (sendo vegano ou não), mas também onde as decisões sejam mais democráticas, a riqueza seja melhor distribuída, o alimento possa chegar na boca de todos, onde os animais e o meio ambiente sejam preservados e onde o animal homem não explore e mate outros homens e, assim, possamos evoluir novamente? Há uma questão política nisso?




Sem Segredos

Essa canção do Frejat é bem bonita, romântica. Frejat fala sobre encontrar o amor de uma mulher. Essa não é bem a minha intenção, essa espera pela mulher ideal, a mulher perfeita, é perda de tempo. Sou daqueles que acredita que devemos ser completos sozinhos, sem muletas, para podermos amar com liberdade e dar liberdade àqueles que se aproximam de nós. Não gosto de amor romântico, que faz a gente enxergar as pessoas como gostaríamos que elas fossem e não como elas são, que prende, que cobra. Mas, mesmo assim, essa canção me faz pensar na vida em geral, de encontrar um amor no sentido de uma paz, uma alegria nova, um novo sentido profissional ou de vida, algo que nos faça bem, que nos faça sorrir e ter entusiasmo para enfrentar as coisas com um otimismo realista, o que é difícil, porque ou ficamos pessimistas ou entusiasmados demais e, assim, longe da realidade.. Esse amor pode vir na forma de um novo caminho profissional, uma nova motivação, um novo rumo de vida e pode, até, ser tudo isso na forma feminina. Sei lá...

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Só um Grãozinho de Açúcar


Certa vez um homem muito ocupado vivia a correr para todo lado ajeitando todas as coisas. Ele não parava nunca, de tudo ele cuidava e com todos ele se preocupava. Como ninguém é capaz de cuidar de tudo ao mesmo tempo ou de evitar que as coisas aconteçam, o homem vivia angustiado e com medo. Vivia com medo de que alguma coisa desse errado ou que algo acontecesse a alguém de quem ele gostasse. Ele era bom de coração, mas a pressa e o medo o impediam de enxergar quanta coisa boa ele fazia. Com medo e frustrado, o homem sempre lamentava o cansaço e o fato de não dar conta de cuidar de tudo. E, por não dar conta de evitar as coisas, tinha receio de se aprofundar nos amores e sentia uma certa culpa pelos acontecimentos naturais da vida. Detestava surpresas, porque as surpresas o faziam ver o quanto sua correria era insuficiente e o quanto era impotente diante do tumulto da vida. Simplesmente não damos conta de cuidar de tudo e temos medo disso.

Certo dia lá estava o homem correndo. Havia acordado cedo, fez o café da manhã, levou as crianças para a escola, levou a mulher ao médico, cuidou dos animais, limpou a casa, ajudou o irmão com dificuldades, ouviu as lamentações do vizinho, teve que ir correndo até a casa dos pais consertar uma torneira quebrada e, de surpresa, recebeu uma ligação da irmã o informando que fariam uma festa surpresa para seu sobrinho. Nossa, como detestava surpresas. Como algumas surpresas são angustiantes. Em meio a tudo isso, ainda cumprimentou a velhinha da esquina, deu bom dia ao padeiro, afagou o cachorro de rua, brincou com as crianças da comadre, sorriu para uma mulher com cara de triste, ufa! Ele ficava com medo, por mais que fizesse, por mais que tentasse, tudo ainda permanecia caótico e angustiantemente surpreendente.

Um mago que muito sabiamente via tudo isso, resolveu intervir. Um dia o homem estava correndo muito para todo lado, as coisas insistiam em dar errado. Extremamente apressado para chegar à casa dos pais para resolver mais um problema e se sentindo a pior das pessoas por não ter conseguido resolver todas as coisas, viu uma pequena tartaruga virada de barriga para cima (tartaruga tem barriga?), esperneando no meio fio. O homem tentou manter sua direção, mas, comovido pelo sofrimento do pobre animal, parou e voltou. Desvirou o bichinho, pegou-o nas mãos e o levou até um riacho próximo dali. Ao colocar a tartaruguinha perto da água ouviu um sonoro: Obrigado!

Êpa! Estou ficando louco? Tartaruga não fala. Aí o bichinho se transformou no mago e disse: Falar? E quem te disse que agradecimentos se dão somente por palavras? Eu falei com a voz do coração. Em meio à sua correria, você parou e me viu. Você sempre vê as coisas mesmo correndo, mesmo apressado. Você sempre distribui ternura, apoio e cuidado mesmo na pressa. Você estava tentando resolver tudo não é mesmo? Pois veja, enquanto você me ajudava, houve uma batida de carro na esquina, uma velhinha torceu o pé na calçada, seus pais sabedores de todos os seus compromissos e entendendo a sua situação resolveram por si próprios os problemas que tinham em casa e uma infinidade de outras coisas aconteceram. Tudo isso enquanto você reparava em uma pobre tartaruga virada de barriga para cima e a ajudava. Ninguém consegue resolver tudo, ninguém pode evitar que as coisas aconteçam. Agora, veja bem, são poucas as pessoas no mundo que todos os dias saem de casa carregando grãozinhos de açúcar nos bolsos do coração. Poucas são as pessoas que distribuem os grãozinhos de açúcar nas bocas de todos aqueles que cruzam seu caminho. Seja num sorriso, seja numa lembrança, seja num ombro amigo ou mesmo na certeza daqueles que sabem que podem contar com você. Tem grãozinho de açúcar para todo mundo, mas você não pode adoçar todas as bocas ao mesmo tempo e a culpa não é sua. Adoce a boca que está próxima de você, pois aqueles que estão longe terão ou já tiveram os seus grãozinhos e sabem disso, amam isso, agradecem por isso. Lembre-se de quantos grãozinhos de açúcar você já colocou nas bocas dos seus e lembre-se de quantos eles já colocaram na sua boca. O resto é a vida.

Eu era uma simples tartaruga e você me carregou, me levou para passear e me colocou em um lugar seguro de novo. Que açúcar delicioso. As coisas vão acontecer independente da nossa vontade, algumas surpresas podem voltar a causar angústia, mas os grãozinhos de açúcar trocados aliviam todas as dores. E o emaranhado da vida, nos seus mistérios e curvas, há de nos mostrar o caminho para mais açúcar.

Um afago carinhoso do fundo do meu coração adocicado, e muito, por seus grãozinhos de açúcar, grãozinhos estes que adoçaram e adoçarão muitas bocas, e todas te agradecem. Um beijo.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

À luz da Lua


Contam uma história antiga sobre três viajantes. Três homens acostumados com a vida dura, com a rusticidade. Mas mesmo os mais duros têm as suas saudades.
Certa noite eles teriam que dormir ao relento. Era noite de luar e a claridade dominava tudo. Era possível enxergar longe. Um deles, ao se deitar sobre seu cobertor, pediu ao outro, brincando:

- Cumpadre, faça um favor, quando for dormir, apague a Lua. A bichinha tá clareando demais.

O outro riu.

O terceiro disse rápido.

- Faça isso não, deixe a Lua brilhar. Olhar pra ela é a única coisa que me resta nesses tempos de saudade.

E os três ficaram ali, em silêncio, cada um com a sua saudade.




Fui Pro Vale e Voltei


Era uma quinta-feira à noite e eu tinha tido um dia cheio em plenas férias. Aí, como vem acontecendo muito nos últimos tempos, surgiu uma vontade grande de fugir em busca de paz, de dar pelo menos um tempo de todo o peso carregado há anos. Mas fugir para onde? Eu não sabia.  Mas tinha que sair de qualquer forma para algum lugar. Com os problemas mais ou menos equacionados, resolvi fingir que fugia, resolvi fingir que tomava a decisão que várias vezes já pensei em tomar: de ir embora sem olhar para trás, começar tudo do zero num lugar que ninguém me conheça. Como a rotina e a compaixão jamais me deixaram fazer isso de verdade, decidi, então, viajar no dia seguinte, viajar para onde meu bolso permitisse e, assim, fingir que ia embora. Embarquei pela manhã na rodoviária de Ribeirão Preto rumo à Diamantina, porta de entrada para o norte de Minas. Meu objetivo era chegar até o vale do médio rio São Francisco, nas cidades de Januária e de São Francisco, duas representantes do vale do Jequitinhonha. Mas, porque ir para lá?

Meu interesse em conhecer a região vem de uma antiga curiosidade em confirmar a visão geral que temos de que o vale do Jequitinhonha é uma região miserável e porque é um lugar mais ou menos como o que gostaria de me enfiar para passar uma borracha no passado, no presente e viver mais ou menos isolado da espécie humana (digo mais ou menos porque é absolutamente impossível viver longe das mulheres), aprendendo um pouco mais sobre a vida real, pois o mundo só é perfeito em retratos ou nas paisagens (o sistema nos convence o tempo todo que tudo é bonito, divertido e agradável. Mas não é sempre assim, apesar de que divertir-se e contemplar paisagens é muito bom, mas ser mais um dentro do sistema não me satisfaz, eu sou muito burro mesmo). Mas, como não tinha nem tempo e nem dinheiro para percorrer o vale todo, inclusive indo pelo sertão em direção à Bahia (como é o meu verdadeiro projeto), resolvi conhecer somente a porta de entrada do vale: as cidades de Januária e de São Francisco, ambas às margens do velho rio. Mas, dentro de mim, de verdade, o que crescia era a vontade de ir sempre em frente, e não voltar. Entrei no ônibus com essa sensação e, nem sei o porquê, me lembrando da canção “A Saudade Mata a Gente” do Braguinha.






A sensação de estar saindo, indo para longe, era aliviadora e confesso que não me cansei muito nas dez horas de viagem entre Ribeirão Preto e Diamantina (ao contrário da volta. Pois é, como podem perceber, teve a volta). Cheguei já escurecendo e de posse do nome de um hotel razoável previamente pesquisado na internet, subi do Largo São João até o centro histórico, onde fica o hotel. A bem da verdade, para quem tiver grana e tempo, uma viagem para Diamantina já é um passeio e tanto. A cidade é bonita, tem vida noturna, tem um centro histórico belíssimo ( recomendo a Praça da Matriz, a casa de Chica da Silva e a casa Juscelino Kubitschek ) e, perto dali, pode-se encontrar cachoeiras, grutas, cânions vistosos e o circuito do diamante (as cidades históricas de Serro e São Gonçalo do Rio das Pedras). Mas eu não tive tempo e nem dinheiro para ver nada disso. Só apreciei o casario histórico tradicional do lugar. Diamantina ficará para uma próxima.






No sábado de manhã eu já estava no ônibus com destino a Montes Claros (260 quilômetros e 4 horas de viagem). Nas dez horas de viagem de Ribeirão a Diamantina e nas quatro entre Diamantina e Montes Claros, deu para passar um bom tempo comigo mesmo, mas não tive como me entregar a pensamentos existencialistas, porque nessas horas em que se está indo para o desconhecido da aventura, só se pensa nisso, na aventura. Os olhos e a mente estão voltados para o ato presente da viagem. E é muito prazeroso ter a sensação de que você está sozinho e desafiando o desconhecido. A sensação de estar sozinho é uma velha companheira, mas dessa vez era prazerosa.

Não gostei de Montes Claros, quer dizer, não vi e não gostei. Tirando a bela paisagem de cerrado, que a maior parte do tempo dominou o caminho, a já conhecida paisagem canavieira começou a predominar na chegada. Além disso, Montes Claros é uma cidade grande (380 mil habitantes), de aspecto feio para quem chega e, assim como Ribeirão Preto, é uma cidade de prestação de serviços e, como tal, recebe toda a população do norte de Minas, seja para compras, seja para atendimento médico ou educacional. Nem saí da rodoviária. Informando-me no guichê da companhia, fiquei sabendo que havia como encontrar facilmente um hotel adequado em Januária e, assim, comprei a passagem e vazei de Montes Claros.

Foram 100 quilômetros e duas horas de viagem para, assim que atravessamos a ponte sobre o velho Chico, ter uma grata surpresa: Januária é uma bonita e charmosa cidade. A antiga vilazinha criada na procura de esmeraldas dos tempos de Fernão Dias, o antigo centro de criação de gado da divisa do Centro-Oeste, que serviu de cenário e pesquisa para Guimarães Rosa, é hoje uma cidade cada vez mais preparada para o turismo. Já na rodoviária é possível encontrar folhetos sobre hotéis e passeios. Cheguei no final da tarde e em menos de meia hora já estava devidamente hospedado. A dificuldade é a comunicação, pois meu Claro emudeceu assim que deixei Montes Claros e o hotel não tinha internet no quarto, ao contrário de Diamantina. Mas para quem está indo embora, a comunicação com o que ficou para trás é absolutamente desnecessária. Dei uma volta pela cidade e vi barzinhos com bastante gente, todos voltados para o velho Chico. Sentei em um deles e comi uma gostosa mandioca frita com cerveja.

No domingo de manhã confirmei minha primeira impressão. Januária é muito bacana, voltada para o velho Chico, são pelo menos três praias urbanas cheias de gente (mas o mulheril não agrada muito), e com um casario muito bonito, com aspecto colonial. As pessoas são educadas, simpáticas e com todas que conversei tive o prazer de saber que elas conheciam muita coisa sobre Guimarães Rosa. Claro que não tive tempo e nem dinheiro, de novo, para desfrutar de tudo o que a região oferece, mas para quem for com tudo isso que me faltou poderá conhecer cavernas e grutas ( Cavernas do Peruaçu-APA, Gruta dos Caboclos), fazer rafting, rapel, escaladas em pedra calcárea e cavalgadas à lá Grande Sertão Veredas (inclusive encontrando com vaqueiros, lembrando o Manuelão).







Depois do almoço fui visitar São Francisco, a 15 km de Januária. São Francisco é bem menor, mais pobre e a estrutura de turismo engatinha. Mas, assim como Januária, é um local charmoso e bem mais limpo que as cidadezinhas da região de Ribeirão Preto. Tem umas casinhas muito bonitas e uma igreja matriz que faz lembrar os livros de Jorge Amado ou as novelas da Globo. É voltada também para o velho chico, tem barquinhos típicos e uma balsa para a travessia do rio.




Foi tudo muito corrido, porque eu sabia que deveria voltar rápido para casa, pois as coisas equacionadas estavam lá me esperando, e, sinceramente, não teria coragem de abandonar quem precisa de mim. Mas com sinceridade, estar ali tão longe, com a possibilidade mesmo que fantasiosa de construir algo novo do zero, de nunca mais voltar, me fez refletir e ter vontade de seguir em frente, não porque sou infeliz, nada disso, mas porque estou cansado. Estou cansado e sem tempo de lamber as feridas ou olhar para a bússula. Estou cansado de ter que trocar o pneu do carro sempre com ele andando e dando novos defeitos. Eu escrevi que quando montei no ônibus em Ribeirão Preto estava pensando na música do Braguinha, que fala de saudade. Mas saudade do que, se eu não tenho nada? Saudade do que, se olho para o hoje e não vejo nada? Mas só de fingir por uns dias que o pesado saco de pedras e as dolorosas angústias tinham sido deixados de lado já foi bom.
A volta foi demorada e cansativa. Eu também me lembrei de uma canção. Lembrei de uma canção do James Taylor, “Carolina in my mind”, onde o artista diz que pode rodar o mundo todo, mas sempre carrega em sua mente a sua pequena Carolina, o seu vilarejo, no caso de Taylor. Para uns a saudade, a referência, é um lugar; para outros, a saudade é de alguém. Cada um tem a sua. Para pessoas como eu, que adorariam ir embora sem olhar para trás, a saudade é de nada, é efêmera. De todas as coisas que eu poderia sentir saudade, de nenhuma fiz realmente parte. Tudo é sólido como areia. Talvez nenhuma delas dê importância ou tenha marcas de que um dia eu estive ali, ou mesmo estejam prestes a se apagar. Mas a luta está aí para ser lutada, e é de fato a única coisa sólida na minha vida, e eu não desisto. Quem sabe um dia eu não precise fingir que fujo, ou nem precise mesmo fugir. Quem sabe um dia eu não tenha tristeza, desânimo, só em pensar em voltar para um cotidiano sem sentido, um cotidiano angustiantemente inútil. Para aliviar o vazio, dedico o que tenho àqueles que estão com medo, apavorados, mas isso é pouco. Um dia, quem sabe, vou andar de mãos dadas com a minha Carolina. Mas até lá é lutar, sozinho, botar tudo no lugar, sem tirar nada de ninguém e ajudando aqueles que precisam mais do que eu. Quem sabe pelo caminho eu não encontre a tal felicidade e, enfim, a angústia passe. Quem sabe.




Fica a dica: Januária e região são uma ótima opção de férias.