domingo, 6 de maio de 2012

Coitado do velho Einstein

Eis um textoque rola na internet onde há um suposto diálogo atribuído à Albert Einsten e seu professor universitário. É um exemplo, dentre outros do mesmo teor, onde cada qual acrescenta ou remove determinados temas, de acordo com o gosto de quem o divulga.

Durante uma conferência com vários universitários, um professor da Universidade de Berlim desafiou seus alunos com esta pergunta:
“Deus criou tudo o que existe?”

Um aluno respondeu valentemente:
“Sim, Ele criou.”

“Deus criou tudo?”
Perguntou novamente o professor.
“Sim senhor”, respondeu o jovem.

O professor respondeu,
“Se Deus criou tudo, então Deus fez o mal? Pois o mal existe, e partindo do preceito de que nossas obras são um reflexo de nós mesmos, então Deus é mau?”

O jovem ficou calado diante de tal resposta e o professor, feliz, se regozijava de ter provado mais uma vez que a fé era um mito.
Outro estudante levantou a mão e disse:
“Posso fazer uma pergunta, professor?”

“Lógico.” Foi a resposta do professor.
O jovem ficou de pé e perguntou:
“Professor, o frio existe?”

“Que pergunta é essa? Lógico que existe, ou por acaso você nunca sentiu frio?”
O rapaz respondeu:
“De fato, senhor, o frio não existe. Segundo as leis da Física, o que consideramos frio, na realidade é a ausência de calor. Todo corpo ou objeto é susceptível de estudo quando possui ou transmite energia, o calor é o que faz com que este corpo tenha ou transmita energia.
O zero absoluto é a ausência total e absoluta de calor, todos os corpos ficam inertes, incapazes de reagir, mas o frio não existe. Nós criamos essa definição para descrever como nos sentimos se não temos calor”

“E, existe a escuridão?”
Continuou o estudante.
O professor respondeu: “Existe.”

O estudante respondeu:
“Novamente comete um erro, senhor, a escuridão também não existe. A escuridão na realidade é a ausência de luz.
A luz pode-se estudar, a escuridão não!
Até existe o prisma de Nichols para decompor a luz branca nas várias cores de que está composta, com suas diferentes longitudes de ondas.
A escuridão não!
Um simples raio de luz atravessa as trevas e ilumina a superfície onde termina o raio de luz.
Como pode saber quão escuro está um espaço determinado? Com base na quantidade de luz presente nesse espaço, não é assim?
Escuridão é uma definição que o homem desenvolveu para descrever o que acontece quando não há luz presente”

Finalmente, o jovem perguntou ao professor:
“Senhor, o mal existe?”

O professor respondeu:
“Claro que sim, lógico que existe, como disse desde o começo, vemos estupros, crimes e violência no mundo todo, essas coisas são do mal.”

E o estudante respondeu:
“O mal não existe, senhor, pelo menos não existe por si mesmo. O mal é simplesmente a ausência do bem, é o mesmo dos casos anteriores, o mal é uma definição que o homem criou para descrever a ausência de Deus.
Deus não criou o mal.
Não é como a fé ou como o amor, que
existem como existem o calor e a luz.
O mal é o resultado da humanidade não ter Deus presente em seus corações.
É como acontece com o frio quando não há calor, ou a escuridão quando não há luz.”

Por volta dos anos 1900, este jovem foi aplaudido de pé, e o professor apenas balançou a cabeça permanecendo calado…
Imediatamente o diretor dirigiu-se àquele jovem e perguntou qual era seu nome?
E ele respondeu:
“ALBERT EINSTEIN.”


Vamos lá. Primeiro é preciso dizer que é falsa a afirmação de que Einstein teve este diálogo (não só pelo discurso teísta altamente conservador e que nunca fez parte da biografia de Einsten, mas também porque Einstein nunca foi aluno em Berlim. Foi docente, e muito bem conhecido). Segundo, e antes de refutar cada ponto do texto, é preciso também dizer que o argumento geral do texto está baseado numa falácia: apelo à autoridade. É assim: para dar um verniz de credibilidade aos argumentos, apela-se a uma figura famosa ou repleta de títulos acadêmicos. E quem melhor do que Einstein (o grande cientísta) para dar embasamento a um texto teísta?
Bom, o texto inicia com o "professor" provocando um debate ao levantar como tema um assunto que os teólogos adoram gastar tempo e energia para, no fim, fazerem sua pregação de praxe: O Problema do Mal. Esse debate é assim: como pode um deus bom ter criado o mal? de onde veio o mal? deus dá livre-arbítrio à toda criação? Se você deseja entrar nesse debate, boa sorte e uma grande dose de paciência é o que te desejo. Esse é um debate inócuo e só faz sentido religioso se você for um teísta que crê em deuses monoteístas de raiz abraâmica, se não, saia fora disso.
Na continuidade do texto, vemos um "pseudo-Einstein" discutindo pseudo-ciência com seu professor. Começa dissertando sobre a existência do calor e o sentido abstrato do frio. A afirmação do jovem "Einstein" de que "frio é ausência de calor" já nos da uma noção de onde o raciocínio do garoto quer nos levar. Depois, usando a mesma estratégia "espertinha", faz também uma dissertação sobre a luz e escuridão: a frase "escuridão é ausência de luz" também se enquadra na mesma categoria daquela discutida acima, ou seja, prepara o terreno para a pregação.
A esta altura do texto qualquer um já sabe como isto vai terminar. Existe até alguns exemplos desse mesmo texto onde o autor acrescenta um debate também sobre a teoria da evolução e, como vocês já devem ter percebido, faz isso para dizer que o homem é a maior criação de deus e que não pode ter evoluído do macaco. Bom, deixando isso de lado (até porque o homem não evoluiu do macaco, o homem é um macaco), vamos ao fim do texto. As últimas 17 linhas do texto são pura pregação religiosa e de baixo nível, contendo afirmações de que o mal (exemplificado em estupros, crimes de toda sorte, violência mundial...) é o resultado da "ausência de deus" no coração dos humanos. A desonestidade está aí, ao afirmar que só quem tem "deus" no coração é bom, quem não tem é mau, é uma pessoa que não tem limites morais. Um perfeito exemplar da lógica teísta conservadora e reacionária.
Enfim, é um texto simplista, de baixo nível mas que às vezes precisa ser contestado porque embute uma visão preconceituosa do mundo que precisa ser combatida. Religiosidade é questão íntima de cada um, assim como a ausência dela, ou seja, ateus e agnósticos, como eu, também devem ser respeitados. Moralidade independe de religião e acreditar ao não num deus não faz ninguém ser bom ou mal, pois o ser humano é complexo de qualquer jeito e as inúmeras guerras de motivação religiosa estão aí para provarem isso.
Em tempo, frio não é ausência de calor. Calor é energia em trânsito resultante do estado de agitação das partículas dos corpos. Frio e quente são termos relativos entre dois corpos com temperaturas diferentes e, em relação às nossas sensações, frio é um termo dito para definir a sensação de dor/tremor que nossos corpos têm quando expostos a determinadas temperaturas. Escuridão pode significar ausência de luz, mas no caso do texto, de luz visível, uma faixa de energia específica de um grande espectro de energias eletromagnéticas. Ponto final.


2 comentários:

Anônimo disse...

E ea Ricardo, tudo bom? Que bacana o seu blog, parabéns pela iniciativa, é bom ler coisas de pontos de vista interessantes. Sobre o texto, percebe-se de longe que não é do Einstein, rss. Sobre os argumentos do texto, da forma como são apresentados são bem fracos também (porém didáticos, para os leigos). Mas, não sei se você já leu, ou tem interesse, vale a pena ler um pouco os textos do Santo Agostinho (de onde acho que o autor tirou esses argumentos), mas lá estão melhor embasados. Tem uma discussão sobre o tempo que é bem interessante e segue esse mesmo raciocínio. Ailson

Ricardo Jimenez disse...

Sim, Ailson, já vi argumentos parecidos em Agostinho e em outros doutores da Igreja. Estou preparando outros textos, o problema é tempo. Valeu por ter lido e quando outros estiverem prontos eu vou postar no face. Abração!