quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Tudo ao Mesmo Tempo


Estava uma noite agradável e a comida até que não deixava a desejar. Ele olhava para aquela mulher à sua frente, que falava sem parar, e pensava na vida, ora dando um sorriso ora balançando a cabeça afirmativamente, como que a encorajá-la a prosseguir. Enquanto ela falava, ele pensava nas mulheres, nas mulheres que já havia conhecido. Pensava em como era fácil para ele sempre encontrar uma mulher; encontrar não, ser encontrado, porque se dependesse do seu desprendimento em se aproximar de uma mulher, seria virgem até hoje. Tinha preguiça em tomar a iniciativa. Mas de alguma forma que ele não compreendia, as mulheres se aproximavam, sempre.

Essa mulher que agora falava freneticamente era mais uma que havia chegado até ele. Era sempre assim, fácil. E também confortável, porque dessa forma ele mantinha sua guarda fechada, só mostrava a imagem de um homem forte, seguro e, gostando de mulher, sabia no que aquilo ia dar e deixava as coisas seguirem por si só. Por vezes as mulheres falam sem parar, isso é normal, como ele tem seus medos, as mulheres também os têm, e às vezes falam como um teste inconsciente ou uma forma de demonstrar firmeza. Mas no fundo, o que elas aguardam ansiosamente é que aquele homem as veja, e as vendo, goste do que vê, e demonstre isso, as deixando tranquilas. Ouvir atentamente o que uma mulher fala é apenas parte da verdade. É preciso enxergá-las por detrás do batom, da roupa bonita, do salto alto, e dizer, mesmo que não seja por palavras: “eu gosto de você do jeito que você é”.  A questão era que até o momento nenhuma mulher foi capaz de fazê-lo deixar a sua preguiça. E, portanto, ainda não havia tido o prazer de sorver a delícia de conhecer uma mulher do jeito que ela merece.

Mais tarde, após deixar a moça falante em casa, caminhava pensando em como a vida é um jogo de esconde-esconde. Todo mundo vive se escondendo, com medo, nunca se mostram de verdade, mas sempre deixam para fora do esconderijo uma perninha, um pedaço do braço, alguma parte que dê pistas para ser encontrado. A nossa vontade na verdade é ser encontrado, mas quando alguém esperto o bastante nos acha, voltamos a procurar um novo esconderijo, com medo. Ele sorria porque sabia exatamente como funcionava esse jogo. Quem sabe um dia ele sentiria um imenso prazer em achar uma mulher escondida, em encontrá-la todos os dias, tirá-la do esconderijo, beijá-la, fazê-la feliz e deixar que ela se esconda novamente, só para poder encontrá-la de novo, para o deleite de ambos. Toda mulher gosta que a encontrem, que achem seu esconderijo, aí ela se entrega, por um tempo, até que se esconda de novo. Um bom relacionamento é aquele em que o homem sabe encontrar a mulher escondida e que a respeite quando ela voltar para o esconderijo, esperando o momento certo de voltar a encontrá-la.

Mas, e ele? Será que um dia alguém o achou? Não, nunca. Para alguém achar seu esconderijo ele precisaria deixar, querer. Aí, somente quando alguém realmente fosse importante para ele. Quem sabe uma beleza genuína, uma flor do campo legítima. Continuava caminhando e pensando. Pensava no poema de Drummond, que era gauche na vida. Ele sempre se sentiu estranho na vida, desde criança.  Quando criança, muitas vezes se pegava perguntando o que era esse mundo e ficava assustado ao compará-lo, com suas esquisitices, com o outro encantado que às vezes ele visitava. Na juventude continuou viajando para o outro lado, mas tentava viver neste aqui com a fantasia de lá, e conseguia. Até que a vida real se impôs e o mundo encantado ficou distante demais. Aí, teve que se proteger, construiu uma imagem, colocou uma armadura e aprendeu a jogar.

Viveu a vida como se não pertencesse a esse mundo. Mas como tinha que vivê-lo, fez o que todo mundo fazia, e bem. Mas nunca se acostumou com a seriedade com que as pessoas fazem as coisas, elas se levam a sério demais, era angustiante, não fazia sentido algum tudo aquilo. Mas ele fez de tudo, foi bom em tudo e largou tudo, depois de um tempo. Uma angústia apareceu. Ele não entendia aquela correria toda, não suportava ver todo mundo obedecendo regras das mais idiotas quando, no fundo, o que queriam era mandar tudo às favas. Mesmo tendo desejos de liberdade, as pessoas continuam presas, e se levando a sério. Alguns fazem coisas escondidas, aquelas coisas que a “seriedade” coletiva não toleraria à luz do dia; outros encontram anestésicos válidos nos seus momentos de folga. Mas ele realmente não pertencia a isso, pelo menos não de alma, mas de corpo era inevitável e tinha que conviver da mesma forma com todas as coisas, e dá-lhe angústia.

Parou um pouco para respirar observando a Lua. Lembrou-se de quando o mundo encantado começou a se aproximar de novo. Foi tudo muito doloroso, aconteceu em meio ao caos completo que sua vida se tornara. Mas ele descobriu aos poucos, pelas mãos de pessoas especiais, que a angústia passava numa determinada atividade que começou a fazer. As coisas seguiam bem divididas, no dia a dia desgastante e na atividade gratificante. Perambulava entre a raiva que nutria pela hipocrisia reinante e pela impotência em sair das suas situações pessoais, e os momentos de encontro consigo mesmo e, aos poucos, também com o mundo encantado. Nesses momentos, a raiva era trocada pela compreensão e pela cumplicidade do olhar. Mas tudo era imensamente cansativo.

Como seria bom poder abrir sua guarda um dia e mostrar de verdade quem era. Como seria bom viver algo verdadeiro, sem se sentir um peixe fora d’água ou ficar só na superfície, se mantendo seguramente distante de qualquer ameaça. Ele não sabia como essa vontade seria despertada, mas certamente não poderia envolver os desejos comuns que envolveram suas outras relações. De alguma forma deveria envolver pureza. Algo mais próximo ao mundo encantado do que a este mundo. E também deveria envolver amor, sem dúvida nenhuma. E abrindo a armadura mostraria os seus medos, poderia voltar a ser menino, sorrir de bobagens de verdade. Como seria bom algo que fosse enraizando na confiança, que fosse crescendo sorvendo a seiva da amizade, que a cumplicidade do olhar pudesse criar passeios encantados e que, mesmo em meio à confusão ou à hipocrisia reinante do cotidiano, esse olhar tivesse a capacidade de se encontrar e, sem palavras, se compreender mutuamente. Como seria bom poder chorar. Ele nunca chorava na frente de ninguém. Como seria bom poder enxergar o outro como ele é e gostar disso, conhecer uma pessoa que tenha verdade no que faz e que não provocaria nele o desdém da mesmice ou a repulsa que sente por aqueles que fazem tudo como manda o figurino. Como seria bom poder sentir carinho ao ver a pessoa escondida  e roubar-lhe um sorriso ao encontrá-la. Como seria bom compor poesias, poesias sem fim, uma por dia, deixando brotar sentimentos gostosos e colocando-os no papel. Como seria bom contar histórias, distribuir carinho, aplacar dores sem que estivesse diante de alguém no fim do caminho. Como seria bom falar besteiras, ser homem e ser menino, ser firme e ser chorão, dar e receber carinho, sentir bater o coração, tudo junto, ao mesmo tempo.

Um comentário:

Anônimo disse...

O homem e menino vivendo o tempo do encantamendo....