Estava uma
noite agradável e a comida até que não deixava a desejar. Ele olhava para
aquela mulher à sua frente, que falava sem parar, e pensava na vida, ora dando
um sorriso ora balançando a cabeça afirmativamente, como que a encorajá-la a
prosseguir. Enquanto ela falava, ele pensava nas mulheres, nas mulheres que já
havia conhecido. Pensava em como era fácil para ele sempre encontrar uma
mulher; encontrar não, ser encontrado, porque se dependesse do seu
desprendimento em se aproximar de uma mulher, seria virgem até hoje. Tinha
preguiça em tomar a iniciativa. Mas de alguma forma que ele não compreendia, as
mulheres se aproximavam, sempre.
Essa mulher
que agora falava freneticamente era mais uma que havia chegado até ele. Era sempre
assim, fácil. E também confortável, porque dessa forma ele mantinha sua guarda
fechada, só mostrava a imagem de um homem forte, seguro e, gostando de mulher,
sabia no que aquilo ia dar e deixava as coisas seguirem por si só. Por vezes as
mulheres falam sem parar, isso é normal, como ele tem seus medos, as mulheres
também os têm, e às vezes falam como um teste inconsciente ou uma forma de
demonstrar firmeza. Mas no fundo, o que elas aguardam ansiosamente é que aquele
homem as veja, e as vendo, goste do que vê, e demonstre isso, as deixando
tranquilas. Ouvir atentamente o que uma mulher fala é apenas parte da verdade.
É preciso enxergá-las por detrás do batom, da roupa bonita, do salto alto, e
dizer, mesmo que não seja por palavras: “eu gosto de você do jeito que você é”.
A questão era que até o momento nenhuma
mulher foi capaz de fazê-lo deixar a sua preguiça. E, portanto, ainda não havia
tido o prazer de sorver a delícia de conhecer uma mulher do jeito que ela
merece.
Mais tarde,
após deixar a moça falante em casa, caminhava pensando em como a vida é um jogo
de esconde-esconde. Todo mundo vive se escondendo, com medo, nunca se mostram de
verdade, mas sempre deixam para fora do esconderijo uma perninha, um pedaço do
braço, alguma parte que dê pistas para ser encontrado. A nossa vontade na
verdade é ser encontrado, mas quando alguém esperto o bastante nos acha,
voltamos a procurar um novo esconderijo, com medo. Ele sorria porque sabia
exatamente como funcionava esse jogo. Quem sabe um dia ele sentiria um imenso
prazer em achar uma mulher escondida, em encontrá-la todos os dias, tirá-la do
esconderijo, beijá-la, fazê-la feliz e deixar que ela se esconda novamente, só
para poder encontrá-la de novo, para o deleite de ambos. Toda mulher gosta que
a encontrem, que achem seu esconderijo, aí ela se entrega, por um tempo, até
que se esconda de novo. Um bom relacionamento é aquele em que o homem sabe
encontrar a mulher escondida e que a respeite quando ela voltar para o esconderijo,
esperando o momento certo de voltar a encontrá-la.
Mas, e ele?
Será que um dia alguém o achou? Não, nunca. Para alguém achar seu esconderijo
ele precisaria deixar, querer. Aí, somente quando alguém realmente fosse
importante para ele. Quem sabe uma beleza genuína, uma flor do campo legítima. Continuava
caminhando e pensando. Pensava no poema de Drummond, que era gauche na vida. Ele sempre se sentiu
estranho na vida, desde criança. Quando
criança, muitas vezes se pegava perguntando o que era esse mundo e ficava
assustado ao compará-lo, com suas esquisitices, com o outro encantado que às
vezes ele visitava. Na juventude continuou viajando para o outro lado, mas
tentava viver neste aqui com a fantasia de lá, e conseguia. Até que a vida real
se impôs e o mundo encantado ficou distante demais. Aí, teve que se proteger,
construiu uma imagem, colocou uma armadura e aprendeu a jogar.
Viveu a vida
como se não pertencesse a esse mundo. Mas como tinha que vivê-lo, fez o que
todo mundo fazia, e bem. Mas nunca se acostumou com a seriedade com que as
pessoas fazem as coisas, elas se levam a sério demais, era angustiante, não
fazia sentido algum tudo aquilo. Mas ele fez de tudo, foi bom em tudo e largou
tudo, depois de um tempo. Uma angústia apareceu. Ele não entendia aquela
correria toda, não suportava ver todo mundo obedecendo regras das mais idiotas
quando, no fundo, o que queriam era mandar tudo às favas. Mesmo tendo desejos
de liberdade, as pessoas continuam presas, e se levando a sério. Alguns fazem
coisas escondidas, aquelas coisas que a “seriedade” coletiva não toleraria à
luz do dia; outros encontram anestésicos válidos nos seus momentos de folga. Mas
ele realmente não pertencia a isso, pelo menos não de alma, mas de corpo era
inevitável e tinha que conviver da mesma forma com todas as coisas, e dá-lhe angústia.
Parou um
pouco para respirar observando a Lua. Lembrou-se de quando o mundo encantado
começou a se aproximar de novo. Foi tudo muito doloroso, aconteceu em meio ao
caos completo que sua vida se tornara. Mas ele descobriu aos poucos, pelas mãos
de pessoas especiais, que a angústia passava numa determinada atividade que
começou a fazer. As coisas seguiam bem divididas, no dia a dia desgastante e na
atividade gratificante. Perambulava entre a raiva que nutria pela hipocrisia
reinante e pela impotência em sair das suas situações pessoais, e os momentos
de encontro consigo mesmo e, aos poucos, também com o mundo encantado. Nesses
momentos, a raiva era trocada pela compreensão e pela cumplicidade do olhar.
Mas tudo era imensamente cansativo.
Como seria bom
poder abrir sua guarda um dia e mostrar de verdade quem era. Como seria bom
viver algo verdadeiro, sem se sentir um peixe fora d’água ou ficar só na
superfície, se mantendo seguramente distante de qualquer ameaça. Ele não sabia
como essa vontade seria despertada, mas certamente não poderia envolver os
desejos comuns que envolveram suas outras relações. De alguma forma deveria
envolver pureza. Algo mais próximo ao mundo encantado do que a este mundo. E
também deveria envolver amor, sem dúvida nenhuma. E abrindo a armadura
mostraria os seus medos, poderia voltar a ser menino, sorrir de bobagens de
verdade. Como seria bom algo que fosse enraizando na confiança, que fosse
crescendo sorvendo a seiva da amizade, que a cumplicidade do olhar pudesse
criar passeios encantados e que, mesmo em meio à confusão ou à hipocrisia
reinante do cotidiano, esse olhar tivesse a capacidade de se encontrar e, sem
palavras, se compreender mutuamente. Como seria bom poder chorar. Ele nunca
chorava na frente de ninguém. Como seria bom poder enxergar o outro como ele é
e gostar disso, conhecer uma pessoa que tenha verdade no que faz e que não
provocaria nele o desdém da mesmice ou a repulsa que sente por aqueles que
fazem tudo como manda o figurino. Como seria bom poder sentir carinho ao ver a
pessoa escondida e roubar-lhe um sorriso
ao encontrá-la. Como seria bom compor poesias, poesias sem fim, uma por dia,
deixando brotar sentimentos gostosos e colocando-os no papel. Como seria bom
contar histórias, distribuir carinho, aplacar dores sem que estivesse diante de
alguém no fim do caminho. Como seria bom falar besteiras, ser homem e ser
menino, ser firme e ser chorão, dar e receber carinho, sentir bater o coração, tudo
junto, ao mesmo tempo.
Um comentário:
O homem e menino vivendo o tempo do encantamendo....
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